segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A LEI UNIVERSAL DO MERCADO

Os comerciantes de drogas ou armas ilegais também obedecem ao instinto de sobrevivência organizacional. Para sobrevier na sociedade, ocupar espaços na feira de fornecimento de bens para os quais há procura, é imperioso ter-se organização. A inteligência, a disciplina, o comando, a gerência são qualidades e virtudes do ser gregário. Elas se manifestam em toda e qualquer atividade, em escala simples e complexa, atingindo empresas familiares ou transnacionais, movimentos populares, sindicados patronais ou de trabalhadores do campo e da cidade.
Como na Câmara e no Senado, entre os gerenciadores dos negócios ditos ilícitos, também há corruptos, desleais, aproveitadores, parasitas e mentirosos. Seus princípios, porém, parecem mais severos e drásticos e se aplicam com mais rigor contra os traidores de sua confiança, de suas promessas e convicções. Eles também têm inimigos e adversários dos quais precisam se proteger. Têm seus códigos próprios contra as leis inimigas com a vantagem de, em algumas circunstâncias, poder usufruir delas.
Sua atividade comercial é difícil e tem que ultrapassar barreiras e até fronteiras vigiadas, para levar o produto a seus consumidores ansiosos nas longas filas da noite, em bares populares ou restaurantes da grã-finagem, nas portas dos colégios e templos universitários. O isolamento e a reclusão impostos por leis inimigas fazem parte dessa profissão clandestina e reforçam o marketing subliminar de seus produtos. Esse comerciante conta com a expectativa do consumidor contumaz. Há um princípio de lealdade e fidelidade entre o comerciante preso e o consumidor livre.
O que aconteceu em São Paulo, nos dias em que o PCC tomou a cidade, foi uma campanha maciça de publicidade para tranqüilizar os clientes de que há organização forte e estoques suficientes para suprir a necessidade da clientela, tanto quanto celulares para presentear às mães no segundo domingo de maio. A profissão desses comerciantes é que está em jogo, mas essas dificuldades normais do comércio serão superadas. Seus advogados sabem orientá-los para falar, calar e desmentir. Aquelas toneladas de maconha e coca apreendidas serão repostas como os estoques de arroz e óleo levados pelo arrastão dos famintos da Zona Norte do Rio, como o dinheiro do INSS, do Banestado e do Valerioduto.
Enquanto os policiais acuados, mal-armados e malcomandados enterravam seus companheiros de guerra, mortos em defesa das leis e da sociedade desarmada, um pequeno exército de meninos de rua abastecia, nos pontos de entrega, os feirantes e os clientes indóceis na periferia da cidade. Operações à margem da legalidade, mas dentro das normas mais sadias da competição do livre mercado. Por ele transitam celulares e computadores contrabandeados, ambulâncias superfaturadas, em nome da irrevogável lei da oferta e da procura.
As leis do mercado se aplicam aos centros comerciais, aos supermercados, à feira dos importados e aos pontos de fornecimento de drogas e armas. Todos são produtos comercializáveis, submetidos à lei da oferta e da procura. Esta velha lei exige e impõe organização, competência e empreendedorismo, com assessoria de consultores do Sebrae, da Bolsa de Valores e de Auditores Independentes. O Segredo do Sucesso e A Arte da Guerra são livros de cabeceira do executivo ambicioso, dentro e fora da prisão.

Eugênio Giovenardi, sociólogo e escritor.

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