Os comerciantes de drogas ou armas ilegais também obedecem ao instinto de sobrevivência organizacional. Para sobrevier na sociedade, ocupar espaços na feira de fornecimento de bens para os quais há procura, é imperioso ter-se organização. A inteligência, a disciplina, o comando, a gerência são qualidades e virtudes do ser gregário. Elas se manifestam em toda e qualquer atividade, em escala simples e complexa, atingindo empresas familiares ou transnacionais, movimentos populares, sindicados patronais ou de trabalhadores do campo e da cidade.
Como na Câmara e no Senado, entre os gerenciadores dos negócios ditos ilícitos, também há corruptos, desleais, aproveitadores, parasitas e mentirosos. Seus princípios, porém, parecem mais severos e drásticos e se aplicam com mais rigor contra os traidores de sua confiança, de suas promessas e convicções. Eles também têm inimigos e adversários dos quais precisam se proteger. Têm seus códigos próprios contra as leis inimigas com a vantagem de, em algumas circunstâncias, poder usufruir delas.
Sua atividade comercial é difícil e tem que ultrapassar barreiras e até fronteiras vigiadas, para levar o produto a seus consumidores ansiosos nas longas filas da noite, em bares populares ou restaurantes da grã-finagem, nas portas dos colégios e templos universitários. O isolamento e a reclusão impostos por leis inimigas fazem parte dessa profissão clandestina e reforçam o marketing subliminar de seus produtos. Esse comerciante conta com a expectativa do consumidor contumaz. Há um princípio de lealdade e fidelidade entre o comerciante preso e o consumidor livre.
O que aconteceu em São Paulo, nos dias em que o PCC tomou a cidade, foi uma campanha maciça de publicidade para tranqüilizar os clientes de que há organização forte e estoques suficientes para suprir a necessidade da clientela, tanto quanto celulares para presentear às mães no segundo domingo de maio. A profissão desses comerciantes é que está em jogo, mas essas dificuldades normais do comércio serão superadas. Seus advogados sabem orientá-los para falar, calar e desmentir. Aquelas toneladas de maconha e coca apreendidas serão repostas como os estoques de arroz e óleo levados pelo arrastão dos famintos da Zona Norte do Rio, como o dinheiro do INSS, do Banestado e do Valerioduto.
Enquanto os policiais acuados, mal-armados e malcomandados enterravam seus companheiros de guerra, mortos em defesa das leis e da sociedade desarmada, um pequeno exército de meninos de rua abastecia, nos pontos de entrega, os feirantes e os clientes indóceis na periferia da cidade. Operações à margem da legalidade, mas dentro das normas mais sadias da competição do livre mercado. Por ele transitam celulares e computadores contrabandeados, ambulâncias superfaturadas, em nome da irrevogável lei da oferta e da procura.
As leis do mercado se aplicam aos centros comerciais, aos supermercados, à feira dos importados e aos pontos de fornecimento de drogas e armas. Todos são produtos comercializáveis, submetidos à lei da oferta e da procura. Esta velha lei exige e impõe organização, competência e empreendedorismo, com assessoria de consultores do Sebrae, da Bolsa de Valores e de Auditores Independentes. O Segredo do Sucesso e A Arte da Guerra são livros de cabeceira do executivo ambicioso, dentro e fora da prisão.
Eugênio Giovenardi, sociólogo e escritor.
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