quinta-feira, 24 de julho de 2014

TAMBÉM TU BRUTUS



É estranho que, numa sociedade pretensamente evoluída como a nossa, e assim se considera, um percentual criado por métodos estatísticos seja invocado como uma ameaça à ordem política e econômica.
Em outros comentários, declarei-me favorável ao crescimento econômico zero, com a ressalva de experimentar novas formas para a conquista da prosperidade como recompensa do trabalho criativo.
Dos 200 milhões de brasileiros, pode-se afirmar que 150 milhões não sabem o que é PIB. Se sobe ou desce, não os impede de comer e fazer filhos.
Milhares de espécies de árvores e animais de nossas florestas, se consultados, aprovariam um PIB zero. Qualquer avanço do PIB é uma ameaça fatal às plantas, aos animais e, por consequência, à sobrevivência da espécie humana.
O Produto Interno Bruto é, por definição, bruto. E poucos são os artistas econômicos e políticos capazes de modelá-lo. Um bloco de mármore bruto esconde futura estátua ou sólido edifício. Escultor nenhum que tenha ideias e intenções a comunicar, esculpindo o mármore bruto, despreza-o por ser duro e coberto de camadas a serem eliminadas por seu trabalho árduo.
Diante de um bloco de mármore bruto, pequeno ou grande, não se é autorizado a desdenhá-lo por seu tamanho. Ninguém é tão insensato que só queira escalpelar imensos blocos de mármore e dar-lhes uma única forma ideal ao gosto de espectadores. É possível dar uma forma excepcional a um pequeno bloco de mármore bruto para ser visto com admiração por visitantes. Ou decorar brilhantemente uma sala de encontros.
Um grande bloco de mármore de Carrara pode se transformar em um Davi. Raros, porém, são os Davi. Aparecem escassamente. Exigem anos de trabalho e seu deslocamento causa enormes transtornos.
Por que certos escultores da economia querem um imenso bloco de mármore bruto? Um gigantesco produto interno bruto? O que pretendem fazer com ele? Embora, hoje, esse número pequeno, inferior a 1, seja desprezado e vilipendiado como desmancha-prazeres da felicidade consumista, o que se observa desmente os detratores do minúsculo PIB.
Outrora ditos estádios, as arenas da Copa da infortunada derrota da seleção brasileira se encheram de diferentes torcidas a preços salgados.
Os aeroportos continuam acolhendo milhares de aviões que transportam milhões de passageiros, carregados de malas, indo e vindo de norte a sul.
As estações rodoviárias despacham milhares de ônibus interurbanos que percorrem milhares de quilômetros de estradas asfaltadas.
Constroem-se estacionamentos para o descanso de milhões de automóveis. Levantam-se viadutos sobre abismos e no bojo de cidades, demolidos por obsolescência prematura, desperdício de material e mortes de transeuntes.
As agências de automóveis estão em permanente festa, promocionando vendas com esquisitíssimas formas de publicidade cansativa e cara.
O governo e seus agentes do fisco recolhem bilhões de reais dos contribuintes. Os bancos demonstram parte dos lucros bilionários nos balanços publicados em cadernos de jornais.
Pelos portos e aeroportos do país exportam-se toneladas de alimentos e importam-se caríssimos produtos de alta tecnologia.
Os restaurantes de bares exibem diariamente superlotação de clientes. Os caixas de supermercados enfrentam longas e irritantes filas de fregueses. Os hospitais regurgitam pacientes dia e noite. As universidades públicas e privadas recrutam duas vezes ao ano milhares de jovens.
A nova classe média e os extraídos da fossa da pobreza disputam com sua renda, assegurada por generosos programas sociais, os melhores lugares nas arquibancadas do consumo. Milhões de desempregados e jovens desinteressam-se de buscar novo ou o primeiro emprego sem deixar de consumir o necessário e o supérfluo.
É raro ver um cidadão com mais de cinco anos de idade, na rua, nos consultórios, nas filas de qualquer coisa, sem operar um celular ou brincar no tablet ou fazer pesquisa escolar no Google.
Miami, Nova Iorque e Paris arrecadam bilhões de dólares de brasileiros em compras, diárias de hotel, restaurantes, museus e passagens.
Por que vilipendiar o pequeno PIB se ele satisfaz necessidades, desejos, prazeres, ambições e sonhos dos que têm pouco e dos que têm muito? Se o PIB minúsculo garante aos 200 milhões de brasileiros a alegria de ter sombra e água fresca, por que políticos, economistas e analistas econômicos, agraciados com alto poder de compra, querem que ele cresça e intumesça ao embalo de suas mãos?
Não será o PIB um substituto de ordem freudiana?


23.7.2014

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