terça-feira, 3 de março de 2009

BOLSA TRABALHO

As iniciativas dos governos, nesses últimos quinze anos, no sentido de cobrir a vergonha de sermos o país latino-americano com maiores diferenças sociais, desembocaram em programas para atender milhões de pobres e miseráveis. Entre outros: vale-gás, vale-transporte, vale-refeição, bolsa-escola, cesta-básica, sopas, restaurantes a um real, leite e pão. O mais moderno deles distribui dinheiro, também dito renda mínima, renda minha, parentes próximos do Bolsa Família. Todos eles necessários para garantir a comida no prato e manter a economia do consumo funcionado.
Na Agrovila Engenho das Lajes, a 50 quilômetros do Palácio da Alvorada de Brasília, além da renda minha e do Bolsa Família, se distribui cesta-básica, leite e pão. Para as meninas acometidas de gravidez precoce, 13 a 17 anos, hoje, 2009, em número de 30, membros da associação de moradores recolhem fraldas, roupinhas, cueiros, berços e carrinhos para os bebês vindouros. Nenhuma iniciativa para recolher lixo, plantar flores, cavar uma fossa séptica, embelezar as ruas. Uma filantropia claramente eleitoreira e deseducadora, mas com a justificativa de que o pobre tem, pelo menos, leite e pão. Por circunstâncias alheias à vontade do governo e da sociedade, vale a ironia, milhões de famílias têm pouco o de comer e precisam da ajuda de todos e do dinheiro público.
Há vantagens em dar uns reais aos pobres. Eles fazem render a moeda muito melhor do que o presidente do Banco Central. Irrigam o comércio, melhoram a dieta, compram roupa, juntam à aposentadoria dos avós, adquirem o primeiro fogão e a geladeira, garantem o dízimo da igreja evangélica, candidatam-se ao micro crédito. Não compram livros, revistas ou jornais por desnecessários. Nesse item, são estimulados pelo Presidente a quem ler jornal ou revista lhe dá azia. Não vão a teatro, cinema ou concerto.
O benefício dá lastro para endividamento sob forma de empréstimos, grande número deles de difícil pagamento. Estimula atividades chamadas de emprego e renda. A conseqüência lógica é comprar novidades da moda que sem esse dinheiro não o poderiam fazer, a menos que trabalhassem. É evidente que 10 bilhões anuais jogados em circulação têm que se acumular na mão de alguém. Vão ao comércio e voltam ao banco,
O Bolsa Família dá o dinheiro e condiciona o benefício à manutenção dos filhos na escola. Só num país atrasado se firma este paradigma: dinheiro, comida, escola. À escola se associam os chamados exercícios transversais: treinamento profissional, alfabetização de adultos, preservação ambiental. Pouco se diz sobre o desinteresse pelo trabalho em milhares dos que recebem esse benefício, e outros, de caráter eleitoreiro. Não se menciona que houve, em algumas regiões, aumento do número de filhos de famílias pobres para não serem excluídas da lista de beneficiárias.
Por que não mudar o paradigma dinheiro, comida, escola para escola, trabalho, escola e garantir a bolsa trabalho? Não é a mesma coisa.
A bolsa trabalho, fundamentada na organização das famílias por ruas e bairros, por atividade, idade, grupos de interesse, pequenas associações, jovens, mulheres, atenderá prioridades locais definidas, analisadas e planejadas por aqueles que vão executá-las. Essa política pública, envolvendo a escola, se complementa com professores para treinar a população em múltiplas profissões e atividades, incluindo música e teatro.
A bolsa é aberta a todos. Quem quiser participar, se junte a um grupo, organize-se para decidir. O trabalho comunitário e o dinheiro individual formam a consciência do cidadão, mesmo sabendo da imensa esperteza, sagacidade e astúcia do brasileiro, dos que governam e dos governados. Quem não trabalha não recebe. A fiscalização e o controle são do grupo, complementado com a ação crítica e avaliativa do Estado, para assegurar a sadia administração do orçamento. Constroi-se a democracia participativa. Elimina-se a ditadura democrática e a passividade dos que esperam os favores de cima.
Plantar, colher, produzir os itens da merenda escolar em todos os municípios, varrer ruas, pintar calçadas, conservar escolas, manter creches familiares, proteger o patrimônio cultural da cidade, arborizar, ajardinar, conservar estradas vicinais, limpar rios, recolher lixo, preservar parques de diversão, fomentar atividades artesanais, carpinteiros, pedreiros locais, mecânicos, vidraceiros, encanadores, eletricistas são áreas que requerem intensa mão de obra.
Seriam 11 milhões de famílias, trabalhando em suas comunidades. Não se erradicaria de todo a pobreza, mas haveria ruas limpas, crianças e jovens na escola e milhares de ocupações que divertiriam a gente e lhes daria dignidade e, principalmente, poder de decisão.

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