sábado, 11 de maio de 2013

PARÁBOLA DA FOME



O discípulo se aproximou do filosofo que lia um pequeno livro sentado à sombra de um angico. Buscava ajuda do mestre para compreender o mundo que o rodeava. Via, ao mesmo tempo, num grande tabuleiro, a utopia da igualdade, a escravidão da desigualdade, a liberdade das diferenças, as distintas respostas da filosofia e a renhida luta pelo poder no país em que vivia.
– Por que esta fome insaciável, essa vontade irreprimida de conquistar o poder? – perguntou o discípulo.
O filosofo fechou o livro, pôs o dedo indicador direito entre as páginas, passou a mão direita sobre os raros cabelos já encanecidos.
– A fome, caro jovem, é o primeiro, o mais importante e permanente artifício do organismo para se manter vivo e se reproduzir. Se este truque natural falhar, toda a esperança de vida fracassa. Vamos considerar, neste país em que vivemos, três grupos de cidadãos que desejam sobreviver e se reproduzir. Os famintos, os que têm maior dificuldade de encontrar o alimento por falta de meios para adquiri-lo, premidos pela fome, se lançam sobre o alimento onde quer que esteja. Privados dessa oportunidade, durante muito tempo, percebem que, comendo mais, assemelham-se aos que sempre se alimentaram. Passar da privação permanente para o consumo garantido, não só sua reprodução e sobrevivência são facilitadas como asseguram a continuidade das atividades dos que produzem alimentos. Os produtores de alimentos precisam de consumidores para se manter na atividade. No segundo grupo estão os que, há muito, não são famintos. Acostumaram-se a escolher sua comida, seus temperos, seus pratos favoritos. Preparam-nos em casa. Encomendam-nos ou vão a restaurantes. Depois da comida, depois da fome saciada, garantida a sobrevivência e controlada a reprodução, buscam centenas de outros bens de conforto. Dessa forma, fazem rodar e aperfeiçoar a produção de novos bens. O terceiro grupo, em menor quantidade de pessoas, é o que acumulou, durante séculos, os meios de produzir alimentos e bens. Para que esse grupo subsista na organização da produção é preciso que os famintos e os saciados assegurem o consumo de todo tipo de bens necessários e supérfluos.
– Mas, mestre, nada vi que se explique a fome de poder.
– Na organização política, suspirou o filosofo, os artifícios da alma do ser humano são semelhantes aos de seu estômago. Os famintos, os que nunca estiveram perto do poder, se batem para sobreviver e se reproduzir. Lançam-se sobre qualquer pedaço de oportunidade que tenha sabor de poder sem medo da obesidade ética. A fome de quem nunca teve poder é mais aguda e impulsiva. Quase nada os impede de avançar sobre ele. Vão demolindo todas as cercas e barreiras para ocupar os lugares dos que se saciaram do poder e sentem por ele certo enjoo e indiferença. Os saciados preferem as sobremesas do poder. Os famintos, provando o sabor delicioso do poder, aliam-se aos grandes maîtres que detêm a receita do poder. O segredo dos novos donos do poder que precisam dos que sempre estiveram com a mão no comando é manter-se faminto. O poder não sacia a fome. O poder alimenta a utopia da igualdade, manipula com estatísticas a escravidão das desigualdades, controla a liberdade das diferenças espalhando favores a mancheias.
10.5.2013

Um comentário:

Luiz Mourão disse...

Alerta: "Qualquer semelhança com situações reais e atuais é mera coincidência..."