Ouço uma freada a poucos metros de minha janela que dá sobre
a L-2 Sul. São pouco mais de 8h. Joana vinha do Setor de Embaixadas para seu
habitat natural nas quadras 406/407 da Asa Sul de Brasília. Livros na mão
esquerda. Sacolas de supermercado na mão direita. Quando acaso nos encontramos,
também moro na 406 Sul, pede-me dois reais para o cafezinho. Vai tomá-lo no Pão
de Açúcar ou na Casa do Bacalhau. É das poucas leitoras de meus livros que me chama pelo sobrenome
impecavelmente pronunciado.
Joana é uma pedestre urbana de fato e de direito. Não tem
casa, todos sabem. Atravessa as ruas ignorando olimpicamente a existência apressada
e nervosa dos carros. Despreza do alto de sua convicção de pedestre a isenção do
IPI que ajudou a encher de automóveis todas as ruas e espaços. A cidade e as
ruas pertencem aos pedestres, espécie rara e em extinção. A cidade e as ruas pertencem
a Joana como habitante dela e delas.
Usando seu direito de ir e vir por sua cidade e por suas
ruas, encontrou fatalmente um carro dirigido por um condutor que eliminou de
seu cérebro a existência de pedestres. Joana, de vestido longo, colorido,
cabelos esbranquiçados caídos sobre os ombros é mais visível do que um semáforo.
Sobre a pista cinzenta, de longe se vê seu busto ereto, um monumento feminino,
uma escultura de Camille Claudel (lembrem de L’Abandon). Impossível não vê-la.
E o impossível só é culminado pela febre F-1 de condutores nervosos que fizeram
das ruas da cidade corredores esquizofrênicos, meio-carros, meio-homens.
Joana Barbosa, pedestre de fato e de direito, quis apenas
caminhar de um lugar a outro em sua cidade. Foi arremessada ao chão, na L-2
Sul, por um iconoclasta que não aprendeu a distinguir esculturas vivas
enfeitando ruas, calçadas e espaços abertos da cidade sob o sol imperturbável
de julho.
2.7.2012
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