quarta-feira, 11 de agosto de 2010

DESCONSTRUÇÃO DA ESTATÍSTICA

A estatística é uma parte da matemática. Lida com números, dados coletados sobre fatos, acontecimentos, comportamentos de pessoas e de fenômenos físicos. Ultimamente, uma avalanche de percentuais econômicos, de fatos políticos, de compra e venda de carros e eletrodomésticos inundou os noticiários de TV e rádio e obcecou jornalistas, economistas e políticos.
Há notícias, no horário de grande audiência, a maior parte dela órfã de aritmética e pobre de raciocínio matemático, que iniciam com percentuais. Hoje, ouço que a quantidade de crack apreendida neste ano pela polícia de combate ao tráfico de entorpecentes é 17% maior do que a capturada em 2009. Para quem não sabe quanto crack a polícia apreendeu em 2009, não ficou sabendo o deste ano.
A impressão que se tem é que o próprio jornalista, encantado por esse tipo de linguagem esotérica, não saiba a real quantidade confiscada no ano passado. Menos ainda a quantidade consumida por nossa juventude dourada. As informações são vazias de conteúdo e recheadas de percentuais. Nos ouvidos do telespectador entra uma cifra confusa que se perde nas circunvoluções do cérebro.
Jornalistas chegam ao cúmulo do ridículo quando tentam resumir quantidades bilionárias das bolsas de valores ou arrecadações do fisco num percentual de mais 0,12% ou menos 0,4%. Com que outro número se relaciona o percentual? Por que não dizer os números reais? Que importância tem para o ouvinte comum a subida ou descida de 0,36% do valor do dólar? Não é suficiente informar aos ignorantes em moeda estrangeira que o dólar americano foi comprado, de manhã, por R$1,76 e, à tarde, por R$ 1,75? E que, neste ano, pagamos 30 bilhões mais de impostos do que no ano passado? E o que se fez a mais com esse dinheiro?
Sociólogos, biólogos, economistas que tratam de séries históricas de fatos e comportamentos, para acompanhar a probabilidade de repetições a intervalos de tempo se valem de percentuais como referências no curso dos acontecimentos. Mas um percentual solto no espaço sem começo nem fim em nada ajuda o cidadão a compreender a gravidade do assunto em pauta. Ainda mais quando o ouvinte não tem hábito de relacionar grandezas. Grandezas relativas. O jornalista assume atitude de sábio, bem informado, dono do assunto e despeja percentuais. Usam-se percentuais para esconder a realidade, não para informar.
Assim, “a frota de luxo do Distrito Federal cresce 660%. O volume de vendas desses carros cresceu 150% desde 2006. Importadoras venderam, no 1º semestre de 2010, 7.747 modelos estrangeiros, um salto de 28,5% comparado com o ano passado”. O jornalista quis comunicar a euforia do crescimento econômico.
Qual é o impacto sobre a desigualdade social, no DF, entre o grupo de consumidores que compra um carro SLK200 por R$220.000,00 e o gari que sustenta sete pessoas com R$650,00 por mês? A diferença entre eles é que o gari terá que trabalhar 307 meses para ganhar o que eles gastam num dia. Para esse tipo de análise e reflexão há menos espaço nos jornais e na TV. O percentual não acrescenta nem diminui o tamanho da desigualdade. A pergunta de Fabio Barbosa é: como estar bem num país que vai mal.
E já que toquei no assunto dos carros, é bom saber quem está ao volante e em que ramo lucrativo de negócios estão esses consumidores milionários. Faço aqui uma pequena lista informada por vendedores de agências de automóveis. Eles são donos de construtoras e empreiteiras com polpudos contratos para executar obras do governo com nosso dinheiro dos impostos; empresários de informática (lembram da Caixa de Pandora?); administradores de shoppings; donos de escritórios de advocacia que defendem “gente boa”; proprietários de lojas de construção, de restaurantes sofisticados, de hospitais, de concessionárias de automóveis; fazendeiros da orla fronteiriça do DF; altos funcionários públicos e de embaixadas, e alguns políticos.
Mesmo com a ajuda de percentuais, é difícil estreitar o fosso entre os de cima e os debaixo.

Um comentário:

Maria disse...

Antonio,já visitei seu blog outras vezes,mas só hoje consegui registrar minha visita enviando saudações e admiração pelo seu trabalho.