sábado, 4 de julho de 2009

IGREJINHA, CRÍTICOS DE ARTE

Levei minha irmã, que estava de visita em Brasília, e minhas netas a ver a pintura de Galeno na Igrejinha da 108 Sul. Alguns anos atrás, um frade autoritário mandou cobrir com cal uma obra de arte de Volpi. Os novos quadros de Galeno pintados nas paredes levantaram controvérsias e manifestações ruidosas na imprensa e nas ruas. Gosto, não gosto. Respeito, desrespeito. Nessa altura, apareceram muitos críticos de arte. Condenaram, defenderam.
A suposta aparição da Virgem, em Fátima, Portugal, a três crianças que pastoravam ovelhas entre azinheiras, foi vista por Galeno com olhos de pintor. Ele imaginou uma forma de reproduzir a história que lhe contaram.
Uns, os mais piedosos, queriam ver na parede a figura viva da santa mulher, falar com ela e até convidá-la para o chá das cinco. No mínimo, desejavam ter ali um retrato fiel da esposa de José, a mãe do menino Jesus. Galeno não conheceu a senhora Maria e, para não mentir, deixou-a sem rosto. Objetivamente, as crianças pastoras não podem ter visto o rosto de uma aparição porque espírito não tem face. É possível que cada um dos três tenha visto um rosto diferente sob a luz intensa do sol que ofuscava seus olhos, em plena hora do meio-dia: o da mãe, o da tia ou da avó. Galeno então decidiu: nada de retratos falados.
Outros queriam que Galeno copiasse uma das iluminuras que decoram as biografias piedosas dos pastorinhos. Esses livros contam com detalhes e ao pé da letra o que as crianças disseram aos curas, aos bispos e ao papa sobre os traços do rosto, as mãos e a linha da moda do vestido que ela trouxe do céu.
Galeno fez o que a arte lhe inspirou: um fantasma branco, luminoso, suspenso no ar; três retângulos coloridos imobilizados pela surpreendente aparição; pipas, bandeirolas festivas esvoaçando no céu, possíveis brinquedos da infância.
Indaguei a minhas netas, que não têm educação religiosa especifica, qual das três paredes prefeririam se tivessem que escolher. Não dei nenhum critério de escolha.
Luiza (11 anos) manifestou com segurança: prefiro a parede das pipas e bandeirolas porque tem menos objetos, está menos cheia.
Laura (7 anos) disse: fico com essa, apontando com os olhos para o muro da Virgem.
− Por que?, insisti.
− Porque é mais eclesiástica (depois corrigiu a palavra para igrejiástica).
− Como assim?, perguntei.
Com um gesto de leve tolerância com as mãos, disse:
− É uma santa!
Galeno, meus parabéns.

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