segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

NÍVEL ÓTIMO DE CORRUPÇÃO

Desde dezembro passado não me encontrava com Pedro de Montemor. Surpreendeu-me com uma questão intrigante:
− Qual é a medida aceitável de corrupção? Em outras palavras, qual é a altura máxima da corrupção que mova alguém, o Presidente da República, por exemplo, a gritar de dentro de seu palácio: Basta! Chega! Nem mais um centavo!?
Lembro roubos do erário, apropriação indébita, peculato, comissão de negócios com dinheiro do contribuinte, saques em contas bancárias, negociação de cargos, compra e venda de pareceres jurídicos, indenizações forjadas e aposentadorias por suposta perseguição política, remessa de dinheiro a bancos nas Ilhas Caimã. E ainda, o favorecimento de contratos e fraudes em licitações, superfaturamento na compra de equipamentos hospitalares ou escolares e uma dezena de outros artifícios, que a cabeça humana gera nos corredores do poder legitimamente constituído, fazem parte do dia-a-dia do mundo da corrupção.
Esse extenso rosário de atos ditos ilícitos, praticados à luz do dia e diante dos olhos dos cidadãos, é desfiado ininterruptamente. O dia de 24 horas ou a semana de sete dias não são suficientes para capturá-los e denunciá-los todos ao mesmo tempo.
− Por isso, concluiu Pedro de Montemor, a polícia os denuncia e prende por grupos escalonados. Nem a polícia tem efetivos para prendê-los todos num mesmo dia, nem as salas do judiciário são assaz amplas para recebê-los e julgá-los. Sem falar no déficit de vagas nas penitenciárias de alta periculosidade.
− É preciso esperar, agreguei, que uma turma seja ouvida para dar lugar à outra. Há que se levar em consideração a fértil criatividade dos bacilos corruptores. Suas espertezas e astúcias confundem a inteligência policial e a despistam com novos truques que a própria legislação desconhece ou encobre.
Como penetraram esses bacilos corruptores nas altas esferas da administração dos governos e de organismos coadjuvantes? Montemor acredita que a porta de entrada mais comum é o concurso público. Os aprovados sentem-se no direito de administrar os orçamentos a seu favor. Mas há os que adentraram as repartições e alcançaram as rubricas do orçamento pela via de amizades sólidas. Foram companheiros de escola primária, de sindicato, de campanhas políticas, de bar, de churrascos regados a boa cachaça, de peladas dominicais. São, portanto, pessoas de confiança das autoridades eleitas pelo voto e que lhe emprestam parte do poder para se corromper.
Os assessores e ministros do Presidente da República, denunciados, julgados, demitidos por falcatruas, achavam que seus ilícitos honrariam o amigo de tantos anos. E o fizeram sem consultá-lo, como surpresa de aniversário. O Presidente, nesses casos, não sabia da farra que lhe estavam organizando na sala ao lado, nem desconfiou dos misteriosos telefonemas que esquentavam os aparelhos de comunicação gravados pela empresa telefônica. Soube pelo alfaiate, depois da festa, pois ler jornais lhe dá azia, que seus ministros já não são ministros e assessores não frequentam mais os gabinetes contíguos. Eles se licenciaram para concorrer ao posto de deputado em busca de imunidades.
− Quais os sintomas da corrupção?, indagou-se Montemor
A corrupção assemelha-se a uma doença silenciosa como a hipertensão. Nem o paciente percebe sua enfermidade. O corrompido e o corruptor, de repente, causam um estremecimento no corpo financeiro e econômico do banco, do ministério, da Casa Civil e a sociedade toda se abala.
Só depois do ACV – ataque às contas do vizinho − é que o pronto socorro policial, jurídico e fiscal emite o laudo provisório: há suspeitos de fraude, ou roubo, ou ....Milhões de dólares que emigraram do inferno brasileiro pediram asilo a um paraíso fiscal. Outros milhões passaram de mão em mão, ou esconderam-se em malas, meias e cuecas. Apartamentos de luxo, casas na praia, chácaras de repouso nas montanhas de São Paulo ou Minas Gerais se relacionam com esses suspeitos, mas um juiz probo liberta as vítimas da chamada prepotência policial. Mansões alugadas para negociar as promissórias do poder, aviões e helicópteros para uso familiar, iates para lavar o dinheiro na água salgada são arrolados aos processos, mas não provam nada.
Às vezes, a corrupção exige o sacrifício de alguns implicados que reclamam da repartição discriminatória e desigual do roubo. As mortes não têm criminosos. Versões se contradizem e o morto assiste a tudo calado. Aos corruptos, a MP − medicina pública − receita comprimidos e a hipertensão é normalizada por algum tempo.
No dia seguinte ou nos anos subsequentes, os corruptos aparecem nas páginas de revistas e jornais, dão entrevistas na TV, frequentam casamentos e aniversários da elite, candidatam-se a vagas no Congresso ou à governança de estados e municípios, são eleitos e empossados.
− Não há, então, um nível ótimo de corrupção acima do qual seria inaceitável? − indaguei em voz alta.
Montemor opina que é indefinido o ponto de ruptura a partir do qual a corrupção perderia força ascendente e entraria na área de risco e falência.
− Há dois antídotos preventivos da hipertensão corruptora, disse ele, que, se aplicados no corpo da sociedade, poderiam reduzir a baixíssimo nível os ímpetos da corrupção. Um deles é a punição exemplar do corrupto. Como se sabe, a impunidade é a mãe biológica da corrupção ativa e passiva. O juiz que não pune, o empresário que não pune, uma justiça que busca asas no ovo para eximir-se de responsabilidades, a polícia que encobre crimes de seus superiores, todos são igualmente corruptos, beneficiados pela impunidade. Outro antídoto é a educação do cidadão para o respeito de todos os bens alheios, públicos e privados. O saleiro da mesa do bar, um lápis da repartição ou local do trabalho, um livro da biblioteca comunitária, o guarda-chuva esquecido no banco são itens tão importantes para a educação quanto os bilhões do erário formado pelos impostos do cidadão.
Por falta do uso desses antídotos, o cidadão comum se surpreende com milionários que surgem do nada a cada dia.

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