segunda-feira, 26 de setembro de 2022

PROPOR O DECRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL É AINDA UM TABU

 

                              PROPOR O DECRESCIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL É AINDA UM TABU                                                              Eugênio Giovenardi, sociólogo e escritor
A superpopulação humana do planeta seja, talvez, uma das principais dificuldades se não um forte obstáculo cultural para erradicar a fome que, no século 21, assola um bilhão de pessoas; para reduzir a devastação generalizada das florestas; evitar as guerras humanas abertas ou disfarçadas; enfrentar as mudanças climáticas em curso, fortemente provocadas pela ação irresponsável da economia gananciosa. A redução do crescimento demográfico em escala mundial é ainda um tabu político e ideológico de difícil discussão na busca de uma orientação universal em benefício da biodiversidade de seres vivos humanos e não humanos.
São necessárias medidas racionais, em escala planetária, que indiquem a redução drástica do crescimento populacional em favor da biodiversidade natural que garanta a interação e a interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos. É desumano esperar que as mudanças climáticas e seus incontroláveis fenômenos, as guerras de extermínio humano e não humano, fome e pandemias virais encham o mundo de dor, lágrimas e desespero.
A natureza não é de esquerda e nem de direita. A natureza se fez vida e habita este maravilhoso planeta. Fazemos parte ─ a espécie humana ─ desse milagre existencial. Ser ambientalista ou ecologista é compreender a auto-organização da natureza manifestada em diferentes ecossistemas. É participar da interação e interdependência de todos os seres vivos humanos e não humanos numa convivência social em busca do conforto natural universalmente desejado.
As vidas se alimentam de vidas ─ proteínas, sais minerais, açúcares, água, oxigênio ─. Viver é usar com parcimônia os bens necessários a todas as vidas, pois os bens são limitados e finitos. A precaução no uso dos bens da natureza é uma virtude basilar que orienta instintivamente os seres não humanos pela lei do controle natural e alerta racionalmente a espécie humana. O equilíbrio no uso dos bens da natureza depende fortemente do número de usuários e da intensidade do consumo necessário de cada espécie para se reproduzir e sobreviver. A superpopulação de uma espécie põe em risco todos os habitantes de um ecossistema natural, por mais rico e abundante que seja. Todas as formas de vida têm identidade. São sujeitos e não objetos dos quais se pode dispor, decidir seu destino ou levá-los à extinção pelo uso demolidor do mais poderoso.
Os seres vivos buscam naturalmente um relativo conforto para desfrutar a vida cercados de fenômenos físicos incontroláveis. O nível de conforto e o consumo dos bens naturais diferenciam o comportamento das espécies não humanas e o do homo sapiens. Ser ambientalista é propugnar por um limite racional de conforto para toda a espécie humana. É resistir à acumulação de bens pelo crescimento econômico a qualquer custo e dar tempo à regeneração de ecossistemas em benefício da biodiversidade. A extinção de espécies vivas ou a degradação generalizada dos ecossistemas pela ação humana dificultam a interdependência dos seres vivos e geram desigualdade no conforto e convívio da população humana.
O planeta que abriga o milagre da vida é uma casa com espaço limitado e bens finitos. Contrapõe-se fisicamente à ação acumuladora e destrutiva da espécie humana. A arte e a sabedoria do ser humano se tornam mais grandiosas quando imitam a força e a generosidade da natureza. Há, portanto, um limite a ser respeitado quanto ao número de usuários humanos e não humanos no planeta. A cadeia trófica tem uma lógica arrasadora para a sustentação da espécie humana. Maior população, maior consumo de água, mais urbanização, mais solo para produzir alimentos vegetais e animais pressionam e até destroem ecossistemas.
Duas atividades essenciais e necessárias ─ produção de alimentos e assentamentos urbanos ─ determinam manifestações culturais do comportamento humano nem sempre adequadas diante do funcionamento das leis orgânicas da natureza. A produção de alimentos, para bilhões de seres humanos e não humanos, sem restrições racionais ao crescimento demográfico dessas populações, impõe substituição de florestas, uso intensivo de água, nutrientes químicos ou industrializados, defensivos tóxicos e poluidores do solo, da água e do ar. A urbanização, ao longo e largo do planeta, se concentra ao redor de rios, mares e lagos, modifica drasticamente as paisagens naturais, expulsa ou elimina os habitantes naturais de ecossistemas e requer intensos serviços de limpeza e higiene, centros de recreação, de educação e saúde, de mobilidade e segurança social.
A redução racional do crescimento da população humana, embora sugerida por demógrafos desde a década de 1960 e sugerida por organismos internacionais, é ainda um tabu cultural e político. Propor a alegria da maternidade e o orgulho da paternidade, com um ou dois filhos por casal, será uma decisão política sábia e refletirá de maneira eficaz sobre a regeneração dos ecossistemas que abrigam generosamente o milagre da vida no planeta.
Nota: O artigo foi enviado à Diretora de Redação do Correio Braziliense, mas não encontrou guarida.

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