DONA ANA
Antigamente, a casa da vizinha era a extensão da
dispensa das outras donas de casa. Uma xícara de arroz, uma colher de banha, pó
de café quebravam o galho. Dona Ana é nossa vizinha há cinco anos. Pela idade,
chamada de risco, curte sozinha o isolamento determinado pela pandemia do vírus
19. Meses antes, seus netos a visitavam com moderada frequência. Outras pessoas
da família têm visitado Dona Ana. Sei pelos sapatos que deixam fora da porta.
Por discrição, nunca perguntei se são filhos, noras ou genros. Encontro-me
esporadicamente com ela. Ela sorri.
Na véspera da Páscoa de 2020, Dona Ana tocou à nossa
porta. Minha mulher e eu fomos atender. Trazia em mãos um trabalho em tricô
colorido. Perguntou se tínhamos liquidificador.
- Sim, Dona Ana. Precisa dele?
- Eu fiz um chapéu para cobrir o liquidificador. Se
é um Walita, vai servir.
- Quanto é?
- É um presente de Natal.
Ela sorriu ao saber que era Walita. Aceitamos o
presente. Em troca dei-lhe um livro e dois pés de alface colhidos em nossa
horta. Dona Ana não disse mais palavras. Sorriu e voltou a seu apartamento ao lado.
Ela é de poucas palavras e muito sorriso. Dona Ana é dos tempos que, em
criança, se aprendia a tricotar com a vovó. Nunca imaginei pôr chapéu em
liquidificador.
Dias passados, em plena pandemia, sem máscara, Dona
Ana bateu novamente à nossa porta. Tinha em mãos um tricotado amplo e colorido.
Uma espécie de saia rodada. Sorrindo, perguntou se tínhamos bojão de gás.
A pandemia fez Dona Ana voltar aos tempos de menina.
Tricotar é preciso.
26.8.2020
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