domingo, 23 de agosto de 2020

CARTAS DA PRISÃO - ISOLAMENTO – DISTANCIAMENTO

 ISOLAMENTO – DISTANCIAMENTO

São palavras básicas do paradigma de convivência do novo normal. O dicionário do novo normal se restringiu a essas duas palavras. Despidas do floreio poético que lamenta a perda de um amor ou da pátria distante, elas propõem a fuga incessante de um vírus invisível que, para sobreviver, requer aproximação e ajuntamento. O isolamento é a vacina disponível. Estamos condenados ao isolamento por termos cometido atos antissociais contra a natureza. Isolamento, afastamento, apartamento, distanciamento. Longe, retirados, separados, excluídos, segregados, desagregados, ilhados, descasados, desterrados. Mascarados. Isolar-se de quem? Do quê? Por quê? O que os outros têm que eu possa receber de ruim ou de bom? A espécie humana é gregária. Adora ajuntamento. Carnaval. Futebol. Bar. Aniversários. Festas. Agora, não pode mais. A ordem é: isola o vírus! Há mais de 20 mil anos, o homem sapiente vem domesticando seres vivos: arroz, feijão, soja, boi, cão, cavalo, gato, cobra, periquito. Desorganizou a vida nas florestas e no mar. Agora, tem que fugir do vírus que se rebelou contra a desordem. Fugir do vírus. Fugir dos outros que fogem do vírus. Não basta isolar-se. Há que manter distância. A vizinhança sempre foi um fator de ajuda, de apoio, de companhia, de união. Agora, o novo normal é ficar longe. É arredar pé! É certo que a vizinhança, os ajuntamentos ocasionam fofocas. Mas a fofoca é o combustível da convivência. Afasta uns e une outros. O novo normal está marcado por mortes, sem o carinho dos amigos. O sepultamento sem a lágrima refrescante dos familiares. Uma separação, um isolamento definitivo e sem volta. O novo normal nos esconde a boca sensual, o belo nariz, o sorriso do rosto, o brilho dos olhos.
O novo normal. Cada um, por si. O vírus, por todos.

Nada melhor do que isolar-se em campo aberto. (Foto: E. G. Sítio das Neves)

23.8.2020

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