GLÓRIA E QUEDA DO HOMO SAPIENS
Sou Eugênio Giovenardi, ecossociólogo. Há
quatro décadas, observo as relações de convivência e de interdependência da espécie
humana com milhares de outras espécies da biodiversidade, especialmente no Cerrado
brasileiro.
Todos os caminhantes deixam pegadas de seus passos.
Por caminhos abertos passam os que vêm depois. Nestas respostas, deixo minhas
pegadas. Tenho certeza de que as medidas nem sempre servem a todos os pés. Vivo
numa nova capital e na antessala de um
novo mundo. Lanço um novo olhar sobre o planeta e especificamente sobre a
natureza.
Estamos
numa encruzilhada. Andamos muito. Cometemos afoitezas. Corremos quando devíamos
andar devagar. Atropelamos a natureza. Empobrecemos o planeta.
A
água, os esgotos, o lixo matam vidas e, nessa onda, vamos nós, a insigne
espécie sapiente. Há que ouvir a natureza. Ouvir as árvores e seus gritos
silenciosos. Comover-se com os clamores dos pássaros e sentir-se culpados pelas
mortes de animais nas rodovias.
Como
sairmos desse labirinto ou desta prisão que construímos sem prever uma porta de
saída? Temos riqueza contrabalançada com extrema pobreza. Não sabemos o que e
como fazer com elas.
Nesta
comunicação, em forma de entrevista, colecionei vinte perguntas que fiz a mim e
que outros mais jovens me fazem diante das certezas, incertezas e alertas de
nosso tempo às voltas com um vírus invisível.
- Primeira – Há milhares de anos, os
hominídeos vêm enfrentando mudanças climáticas. Nossos antepassados próximos,
os Neandertais, abriram caminho para o Homo Sapiens. Eles se extinguiram. Nosso
destino poderá ser o mesmo?
O
degelo no Hemisfério Norte, os desertos do Hemisfério Sul tenham talvez
provocado o encontro entre Neandertais e Homo
Sapiens, ao longo de séculos. Mudança de rumos na história da espécie
humana. O homo sapiens se adaptou ao
frio, ao calor, aos vales e às montanhas. Arriscou-se à travessia de rios e
mares, por terra, mar e ar. Mudamos permanentemente, mesmo sem perceber que
mudamos. O tempo é testemunho das mudanças, das adaptações, de êxitos e
fracassos. Da GLÓRIA E QUEDA DO HOMO SAPIENS. Nossa época e nossa cultura são o
resultado de contínuas mudanças. Saímos da coleta de folhas e frutos, da caça
individual ou cooperativa, há 15 ou 20 mil anos. Domesticamos cereais, e
animais. Construímos cidades, palácios, impérios, templos, universidades,
bibliotecas, teatros, arenas para os mais variados esportes.
Parece
que a tão almejada felicidade ou o paraíso prometido ficaram para trás ou se
mantêm escondidos das elucubrações do cérebro humano.
Há
fenômenos naturais ou a natureza das coisas que atropelam a rotina ou os planos
da espécie humana. Somos o único mamífero cujo cérebro é capaz de perceber,
compreender e acompanhar o funcionamento das leis físicas.
- Segunda - Fala-se, cientificamente, em
mudanças climáticas com ênfase no aquecimento global. Como olhar esse tema? A
espécie humana corre risco de extinção?
Todas as espécies vivas que se originaram há milhões
de anos podem desaparecer com a mesma naturalidade com que apareceram ou por
fenômenos naturais, ou por violenta e continuada ação da espécie humana. A vida
depende grandemente das condições climáticas que podem mudar o ambiente
favorável à reprodução dos seres vivos. A vida é um milagre que inclui seu
desaparecimento. O milagre da vida é inexplicável. O universo não tem como
objetivo servir à espécie humana. Ela é apenas um dos habitantes de um planeta.
- Terceira.
- Que fazer para deter o esgotamento das riquezas do planeta?
Todos os sinais acenam para um novo olhar compreensivo
sobre a natureza. O planeta é conformado por ecossistemas e biomas. Neles se
origina o milagre da vida que engloba a biodiversidade unida pela
interdependência de todos os seres vivos. A chegada lenta e gradual dos
antepassados do homem sapiente, neste planeta, introduziu uma nova maneira de
tratar a interdependência de todos os seres da biodiversidade da qual ele mesmo
faz parte. Seu cérebro e suas mãos tentam adaptar a natureza a suas
necessidades essenciais e da forma como considera mais adequada a alcançar esse
fim.
- Quarta
- Qual é nossa parte na devastação ou no esgotamento do planeta?
A ação de todos os seres vivos sobre os ecossistemas
e respectivos biomas modifica com maior ou menor intensidade, o ambiente
externo. Os seres vivos, que se alimentam de vegetais ou de proteínas não
vegetais, exigem da natureza uma energia contínua de regeneração. Parece claro
que grandes animais necessitaram volumes proporcionais de alimentos. É razoável
pensar que muitas espécies, ao longo de milênios tenham desaparecido no meio de
mudanças climáticas que os deixaram sem comida. A ação do homem sapiente, graças
a seu desenvolvimento cerebral, sua capacidade de intervenção, invenção e
inovação, pode alterar drástica, contínua, e perigosamente as relações da interdependência
dos seres vivos. A mão humana tanto pode extinguir espécies animais como
florestas. Este comportamento incontrolado compromete a biodiversidade, rompe e
retarda o ciclo da regeneração dos sistemas vivos.
- Quinta –
A sobrevivência da espécie humana se baseia na busca permanente de alimentos.
Como salvar a biodiversidade?
As ações complexas da espécie humana sobre os
ecossistemas, sobre a biodiversidade, definidas como econômicas, culturais,
sociais, religiosas, políticas, tecnológicas, cibernéticas, se orientam a
preservar, antes de tudo, sua sobrevivência e reprodução. A intensidade da
exploração das riquezas do planeta pelo aumento da população nos cinco
continentes está gerando efeitos globais que afetam basicamente a água dos rios
e do mar, e o ar: elementos essenciais
para a biodiversidade em todos os ecossistemas. As mudanças climáticas assumem
proporções incontroláveis diante dos efeitos maléficos da ação humana sobre a
água que tomamos e o ar que respiramos. Os vírus, as bactérias e as doenças
atacam e matam populações e espécies da biodiversidade por esses dois caminhos.
Todos tendem a defender a própria vida, sejam seres visíveis ou invisíveis como
os vírus. Nós pertencemos à biodiversidade e também defendemos nossa vida. Mas
sempre há riscos nessas relações de sobrevivência. Busquem-se, nas águas sujas
e nos esgotos ao redor do planeta os restos mortais de muitos vírus.
- Sexta.
– Temos tecnologia, meios, instrumentos para prever mudanças climáticas.
Terremotos, maremotos, altas e baixas temperaturas. Isso não é suficiente para
nos defender?
A espécie humana tem se adaptado aos mais diferentes
ambientes do planeta. Nas regiões polares ou no equador. Sua experiência de
mais de 300 mil anos lhe deu conhecimentos para resistir e se defender de
grandes mudanças climáticas.
Temos, hoje, séries históricas de fenômenos
climáticos, produzimos sensores de grande alcance, operamos cálculos
matemáticos e estatísticos que permitem antever alguns eventos. Os animais
também pressentem mudanças ou eventos perigosos e buscam abrigo. Uma coisa é
prever a ameaça de fenômenos físicos, outra, muito diferente é prever nosso
comportamento diante deles. Alguns, como inundações, são favorecidos pela
urbanização em espaços inadequados, pelo desmatamento, pelo desvio de cursos de
água, ou pelo esgotamento de lagos.
O planeta é sacudido desde sempre por fenômenos
físicos e mudanças climáticas. A esses fenômenos naturais se associa a ação
humana em seu afã de extrair do planeta mais do que ele pode dar. Arrasa
montanhas, desvia cursos de rios, esgota aquíferos superficiais e profundos,
destrói florestas, polui águas, o solo e ar com a queima de combustível fóssil,
petróleo e gás.
As mudanças climáticas, aquecimento local e global,
cataclismos imprevisíveis, secas, inundações, tormentas, vendavais arrasadores,
tornaram-se o pão de cada dia em todos os países e com frequência perturbadora.
Perdemos vidas e o produto do trabalho, da técnica e da arte empregados.
- Sétima.
– O conhecimento cada vez maior da espécie humana poderia retardar ou evitar
seu desaparecimento? A tecnologia não dará os meios para vencer os obstáculos
naturais, especialmente as doenças?
Há dois momentos em que o conhecimento pode
prolongar nossa presença no planeta. Ciência preventiva e ciência curativa.
O
que sabemos sobre a natureza? Sobre seus segredos? Sobre os riscos da rota do
planeta no Sistema Solar? Sobre seu potencial positivo ou negativo para a
manutenção da vida? Sobre terremotos ou maremotos? E agora sobre vírus? Ou
bactérias? Se soubéssemos antecipadamente, pela via da ciência preventiva como
parte da biodiversidade, não teríamos mais de 60 mil mortes causadas por um
vírus, no Brasil, até agora.
A
ciência preventiva está ainda em cueiros. Os complicados caminhos no labirinto da
biodiversidade e da interdependência de todos os microssistemas de vidas não
foram devassados. Estultos os que acham que se pode criar um vírus. Pode-se criar o ambiente favorável para que vírus
e bactérias apareçam sem avisar. O vírus também defende a própria vida e busca
seu espaço. O vírus tanto pode viajar de avião quanto na patinha de um canário.
Com toda a tecnologia acumulada em 20 mil anos, ainda estamos na antessala do
desbravamento da natureza que nos sustenta. Nossa corrida, no estágio atual, é
apelar desesperadamente para a ciência curativa, no afã de vencer a força das
calamidades, de guerrear vírus invisíveis, nos livrar de suas ameaças, de fugir
delas ou de conviver com elas.
O
vírus é um ser vivo, animado. E todos os seres animados assumem sua cota de
predador para sobreviver. Os humanos também são predadores e lutam para se
reproduzir. Atacam outros seres vivos e se defendem na luta pela vida. É a
natureza das coisas.
- Oitava.
– Como mudar a forma de coparticipação da espécie humana na interdependência e
na regeneração da biodiversidade?
A
lei da gravidade econômica nos lançou num abismo do qual teremos que sair para
sobreviver. Por algum tempo ainda, estaremos sob o efeito da lei da inércia
capitalista arrasadora que arrastou a espécie humana ao consumismo destruidor.
O
fracasso do capitalismo, do crescimento econômico, do consumismo, das inversões
no supérfluo para oferecer felicidade à espécie humana é um alerta para o homo sapiens. Se quiser sobreviver
tranquilo no conjunto de vidas da biodiversidade terá que rever a maneira de se
relacionar com a natureza. Há que ter
humildade para reconhecer o fracasso, as causas do fracasso, os efeitos do
fracasso sobre os elementos vitais da sobrevivência, como água e florestas,
poluição do ar e das águas. Mas também reconhecer o fracasso nas relações
humanas, na distribuição de oportunidades, na repartição dos bens comuns da
natureza para saciar a fome de milhões, no tratamento solidário e respeitoso a
culturas milenares.
Os
quarenta milhões de trabalhadores que o crescimento econômico excluiu do
bem-estar não terão mais lugar nas empresas que os demitiram.
Não
serão, com certeza, os donos do poder que, hoje, ditam normas autoritárias de
convivência desigual, os que se apressarão a mudar de rumo. São os que enfrentarão
a vida nos próximos cinquenta anos. Eles já estão gritando e exigindo o início
de uma nova era. A era deles. Preparada
por eles. Nossa herança cultural é indefensável. Em todas as partes do planeta
há demonstrações de que não querem propriedades industriais globalizadas nem
contas bancárias sujas de sangue e de exploração das pessoas e da natureza.
- Nona – Quem
e quando, então, começará um movimento de mudança cultural tão global quanto as
mudanças climáticas?
O que e como se fará essa mudança faz parte de um
processo de regeneração cultural que se inicia nas comunidades locais e se
prolongará lentamente por toda a floresta humana. A globalização econômica,
submetida ao poder dos detentores da riqueza acumulada, pasteurizou as
diferentes culturas e lhe deu um caráter de modernidade à qual parece
indispensável aderir. Há quem sugira uma nova glocalização, ou seja, trazer para o local a solução das
dificuldades locais, com recursos locais proporcionais às necessidades da
população e adequados à preservação do ambiente. A tecnologia da informação
será o instrumento para dar vida às comunidades locais. Em vez de bancos
centrais para explorar gigantescamente as riquezas globais do planeta, bancos de solidariedade poderão
apoiar-se mutuamente para que o ambiente local seja preservado em favor da
população.
- Décima.
– A invenção, a criatividade, a ambição do poder cederiam ao gigantismo
incontrolável da globalização?
Descuramos
e até afrontamos o princípio da precaução que orienta a não se tomar medidas
que provavelmente trarão resultados negativos. Avançamos o sinal na ilusão de não
sermos punidos com um tremendo acidente. O momento que vivemos não é de
concertar o vaso quebrado, mas de criar novos instrumentos de trabalho e novos
caminhos para a paz social e econômica no planeta.
As
condições de vida que as novas gerações irão encontrar dependem do que se faz
hoje. O que se deseja encontrar no futuro não acontecerá no futuro. O futuro
começa a acontecer no presente. É o presente, com as lições do passado, o tempo
de pensar, decidir e fazer.
Parece-me
que três atitudes devem ser adotadas no presente:
a)
Conhecer e
respeitar a força do funcionamento das leis da natureza e não atentar contra
ela;
b)
Compreender a
interdependência de todos os seres vivos para alcançar conhecimentos
científicos preventivos que possam enfrentar fenômenos naturais repentinos;
c)
Preparar
estruturas diversificadas para contornar os efeitos de fenômenos naturais
físicos (terremotos, tormentas) ou de conflitos nas relações de
interdependência dos organismos vivos (bactérias, vírus)’.
- Undécima. – Que podemos prever para o
futuro, diante das dificuldades atuais e da urgência de enfrentar as mudanças
climáticas e os fenômenos naturais imprevisíveis?
Gostamos
de números. O homem sapiente usa os números do passado e joga para o futuro
como se eles fossem obedientes ao nosso raciocínio. Números não expressam a
realidade. A realidade não tem compromissos com estatísticas. Números são apenas
nossas referências, são convenções. Os números geraram uma doença intelectual
incurável: os percentuais. Achamos que os percentuais explicam mais claramente
do que um número inteiro para mostrar uma suposta realidade. Mil mortos são mil
mortos cujo desaparecimento do convívio arranca lágrimas de pelo menos outras
dez mil pessoas, entre parentes e amigos. Nada se acrescenta se esses mortos
representam 5,79% de uma população. Claro que uns mortos têm mais amigos que
outros. De que adianta buscar um percentual para saber quantos tiveram mais
amigos ou parentes que outros? Cometemos diariamente esses absurdos.
- Décima segunda. – Todos os sinais visíveis
da natureza indicam que mudanças radicais se aproximam e outras já estão em
curso. Teremos força e vontade para mudar nossas atitudes diante dessas mudanças?
Acumulamos
conhecimentos importantes durante 20 mil anos. Mais intensamente, nos 5 mil anos
passados. E mais proximamente, nos últimos 200 anos. Mudanças não são novidade
na existência dos hominídeos e do homem sapiente.
Mas,
parece claro que as mudanças provocadas por nós e as que a natureza nos impõe serão
enfrentadas de outra maneira pelas novas gerações.
O
que muda no ambiente exterior que circunda a espécie humana a obriga a se
adaptar às mudanças para não ser extinta por elas. A realidade é a sirene do
alarme. A natureza não é virtual. É real. Tentamos fugir da realidade. Queremos
transformar a realidade das coisas em realidades virtuais com as quais podemos lidar,
mexer, trocar. Eis a ilusão que nos faz desviar do caminho.
Mudanças
acontecem, no universo, há bilhões de anos. Nosso planeta passou do fogo à água.
Vulcões e terremotos frequentes atestam as mudanças climáticas de um
remotíssimo passado.
Desde
que a vida surgiu das águas, os seres vivos, ao se diversificarem, foram se
adaptando ao meio, à alimentação necessária para a reprodução e sobrevivência.
Nossos antepassados nos deixaram esta herança: sobreviver às mudanças. Mudanças
de clima, mudanças geológicas, nascimento e extinção de espécies, obedecendo ao
processo de regeneração lenta, mas contínua, no conjunto da natureza.
- Décima
terceira. – Como conciliar cooperação e competição?
Uma
compulsiva tendência à cooperação, presente já no período coletor e caçador,
levou a espécie humana a dominar energias naturais, a inventar meios técnicos
para facilitar sua sobrevivência e reprodução. O princípio da cooperação
conduziu os diferentes grupos, estabelecidos em distintos espaços geográficos,
com variadas oportunidades de viver e conviver, para definir normas, códigos e
leis com o fim de ordenar a convivência. A cooperação não elimina a energia da
competição que pode servir de vitamina para novos movimentos ou germe para
conflitos a serem resolvidos.
A
energia das mudanças atinge a espécie humana pelo inestimável fato de ela
possuir um cérebro capaz de perceber, compreender e acompanhar os fenômenos
físicos, e o impacto das atividades do homo
sapiens sobre eles.
Atingimos
um ponto elevado da história da convivência humana, da ciência, da organização
social, da exploração econômica dos bens do planeta. Esse ponto da escalada
vertical parece indicar que as mudanças a serem enfrentadas, podem catapultar o
homo sapiens para um patamar mais
equilibrado e calmo, mas não sem sofrimento e pesadas perdas.
- Décima quarta. – Como avaliar as
grandes conquistas que deram energia à espécie humana para tantas vitórias sem
eliminar o risco da própria extinção?
As
revoluções parecem ser nossa glória e, ao mesmo tempo, nossa queda. Todos os
impérios conhecidos tiveram sua glória. Pouquíssimos resistiram à queda. Convém
dividir a espécie humana em dois tempos mais visíveis. O primeiro é o que, nos
últimos 200 anos, parece ter achado o caminho do êxito, da glória, da
felicidade, do paraíso por caminhos pedregosos com uma engenharia de labirinto.
O segundo tempo é representado pela nova geração, por um novo homo sapiens, com células cerebrais
cibernéticas que questionam todos os valores sociais, familiares, religiosos,
culturais, econômicos, políticos, sexuais e raciais.
Os
jovens, neste segundo tempo, atual e moderno, constroem um novo cenário de
relações com um vocabulário tirado de um dicionário que a velha guarda tem
dificuldades de interpretar.
A
nova história da espécie humana não borra o passado. Será um museu histórico no
qual se evidenciam as eras culturais da turbulenta convivência humana ao longo
de milhares de anos.
Como
a energia das mudanças, em nossa época, afetará a velha guarda do homo sapiens e a nova geração
cibernética é a questão a ser respondida pelas duas partes ao mesmo tempo. Os
conflitos durante esse lento e longo período de mudanças aparecerão e serão
solucionados com as ferramentas de cada etapa.
No
período de mudanças, ou no tempo em que elas se anunciam como fenômeno
sociocultural irreprimível, de pouco adianta querer indicar rumos ou situações
possíveis ou previsíveis. Há que ater-se à realidade dos fatos que as mudanças
impõem no presente. O passado é indestrutível. O futuro se constrói no
presente. O futuro são nossos netos e bisnetos quando completarem 50 ou 80
anos. O trabalho cerebral dos dois grupos, simultaneamente tocados, terá que se
dobrar à realidade, sem deixar-se conduzir pela fantasia. O planeta, a natureza
é real. Não virtual.
Num
terremoto há mortos que serão enterrados. Há prédios destruídos que serão
reerguidos com diferentes técnicas e engenharia. Num terremoto cultural, de
abrangência universal, haverá perdas estruturais que sustentavam concepções
agora obsoletas. Em compensação, longos e fatigantes esforços de regeneração
das energias levarão as novas gerações para outas plataformas com novos
paradigmas de convivência.
- Décima quinta. – Não parece ameaçador o
confronto entre mudanças e capacidade de adaptação?
O
que determinará a boa e racional adaptação às novas circunstâncias provocadas,
simultaneamente, pelas mudanças climáticas e pelo esgotamento e obsolescência
do modelo e do paradigma cultural, social e econômico vigente estará condicionado
a uma nova resposta verde, a um novo olhar sobre a natureza. Esse novo olhar significa melhor
compreensão do sentido da interdependência dos seres componentes da
biodiversidade nos diferentes ecossistemas do planeta.
As
mudanças levam tempo. A reação contra a segregação racial se arrasta por mais
de cem anos. A diferença no tratamento ou a discriminação de gênero avança a
passos lentos. Quanto mais cresce a população mundial e quanto mais se criam
grupos racialmente independentes, economicamente desiguais, regidas por leis
discriminatórias, mais difícil se torna consolidar um novo paradigma para a
mudança. Por isso, a globalização dos comportamentos estereotipados está ruindo.
O
caminho em direção à mudança de paradigma da convivência humana é imposto pelo
fracasso da exploração econômica que condena 2 bilhões de pessoas à pobreza, à
miséria, à desilusão da vida. Pelo fracasso político das nações em guerras
localizadas. Pelo fracasso ecológico revelado na destruição de ecossistemas
favoráveis à vida. Pelo ataque sistemático à interdependência dos seres vivos.
O
Brasil, hoje, parece estar na rabeira das mudanças estruturais para um novo
caminho, pois insiste em retrocessos éticos, morais, culturais e ambientais. A
nossa geração arrisca de deixar aos descendentes uma dívida impagável.
- Décima sexta. – A urbanização cada vez
maior da população não torna mais difícil enfrentar as mudanças climáticas e
culturais?
A
urbanização, a atividade de produção de alimentos e indústrias correlatas são
elementos ou atividades que necessariamente serão cenários de mudanças. Essas
atividades se atrelam ao crescimento da população. Maior população exigirá
maior ocupação de espaços, maior invasão dos ecossistemas, tanto pelo desmatamento
implacável, pelo uso diversificado e poluição das águas, desvio do curso de
rios, alteração do ambiente pela poluição e produção sistêmica de lixo e
esgotos.
Na
década de 1970, demógrafos avaliavam a capacidade de suporte do planeta diante
do risco da bomba populacional (The population
bomb, Paul Eherlich, 1968). No começo dessa década, a população humana (3
bilhões) teria atingido o número adequado (ideal) para manter o equilíbrio das
riquezas limitadas que o planeta dispõe para benefício equitativo da espécie
humana. Ao mesmo tempo, estaria preservado o equilíbrio reprodutivo da biodiversidade
e facilitaria a regeneração das espécies vivas.
A
superlotação do planeta, estimulada por fatores econômicos, culturais ou
religiosos, é um tema a ser tratado com seriedade, franqueza e urgência. A
superlotação de um espaço inibe a cooperação entre as pessoas e a natureza,
acirra a competição para o uso dos elementos essenciais à vida e dificulta a
solução de conflitos sociais e ambientais. A racionalidade é uma das virtudes
do homo sapiens que lhe permite
ordenar o equilíbrio entre as limitações das riquezas naturais do planeta e a
intensidade do uso dos bens essenciais: água, alimentos e energia
físico-eletrônica. O controle do crescimento da população, em todas as regiões
do planeta, é uma decisão racional e urgente, cujos efeitos abrangem a
biodiversidade em todos os ecossistemas.
Somos,
hoje, 7,8 bilhões de humanos a consumir as riquezas do planeta, a começar pela
água. Em duas décadas, haverá cerca de 11 bilhões.
“Essa
progressão, no entanto, vai terminar, afirma o sociólogo Jeremy Rifkin (Denver Unv.). As razões para isso têm a ver
com o papel das mulheres e sua relação com a energia. Na antiguidade, as
mulheres eram escravas, eram provedoras de energia, tinham que manter o
abastecimento de água e alimentar o fogo para cozinhar.”
As mulheres acumularam sabedoria e prudência para dar
continuidade à vida, estimular e introduzir mudanças nas relações sociais e
econômicas adequadas às limitações da casa comum que habitamos. Cabe a elas
decidir.
- Décima sétima.- Por que ainda se
insiste em indicadores que dependem um do outro e não saímos do lugar: Produto
Interno Bruto (PIB), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de
felicidade Humana (IDFH)?
Há
alguns anos penso num Índice de Conservação e Regeneração da Biodiversidade a
ser aplicado em comunidades locais sem contaminá-lo com médias nacionais ou
globais. Pode não ser um indicador ideal
para os que insistem no crescimento econômico. Nos novos tempos, há que se
medir a ação humana sobre a globalidade de seus efeitos em relação com a capacidade
de regeneração dos ecossistemas e da biodiversidade. A preservação racional do
conjunto da biodiversidade propicia um ambiente de sustentação da vida. Esse
novo olhar sobre a natureza dignifica a espécie humana e dá sentido universal
ao milagre da vida.
A dita
classe política, as empresas preocupadas com o crescimento econômico não
perceberam nem ouviram o grito dos que enfrentarão o novo milênio. Os milenares
já estão nascendo e deixando para trás seus antecessores.
Que
sentido terá e que lugar ocupará o PIB numa era cibernética na qual os valores
culturais, sociais, ambientais e econômicos serão reordenados e sustentados por
novos códigos éticos? Como e até quando se sustentará a economia baseada em combustíveis
fósseis, em consumo irracional de supérfluos, em urbanização massiva do
planeta, em redução constrangedora da vegetação milenar e em esgotamento de
mananciais aquíferos?
Vozes
jovens, como a de Greta Thunberg e da brasileira Valentina Ruas, lideram outros
milhões da geração deste milênio e reclamam por um novo cenário em que viverão
nos próximos cinquenta anos. A geração que dominou no século 20, mesmo a
contragosto, será substituída pelos novos chegados a este milênio. Os 3 bilhões de pirralhos de hoje tomarão pela frente um novo mundo com novas decisões.
- Décima oitava. – Quais são os pontos
sensíveis para a biodiversidade em meio às mudanças climáticas atuais?
Todo
alerta deve ser respeitado para termos tempo de tomar medidas adequadas a compreender a adaptar-se às mudanças.
Nas
mudanças climáticas, cientistas consideram evidente o impacto da ação da
espécie humana sobre o agravamento dos efeitos negativos, especialmente sobre a
poluição do ar e das águas. Durante a pandemia provocada pelo novo Coronavírus,
as medidas de restrição à circulação de pessoas, fechamento de fronteiras,
interrupção de transporte por vias aéreas, marítimas e terrestres, constatou-se
sensível melhora na qualidade do ar. No entanto, o volume de lixo não coletado
para reciclagem continua comprometendo os ecossistemas. Os esgotos não tratados
afetam a qualidade das águas superficiais e profundas e
são uma reserva viva de bactérias e vírus.
.
A
ação da espécie humana agride ao mesmo tempo o ventre, a pele e os pulmões do
planeta: águas, solo e vegetação. Destruímos grande parte do passado do planeta.
Imensas jazidas de material fóssil já não existem. Viraram combustível de
máquinas poderosas e espalharam CO2 na atmosfera. O planeta levará
milhões de anos para se regenerar. Por isso, não são apenas ameaças de extinção
de espécies e do próprio homem sapiente. É uma lei da natureza. Por isso, o crescimento
zero de nossa ação econômica destruidora é uma imposição da natureza.
- Décima nona. – Novos paradigmas, novas
atitudes, novas soluções serão possíveis em pouco tempo ou teremos décadas de
ansiedade para romper as estruturas que sustentam o insustentável?
Nossos
tataranetos, daqui a 60 anos. talvez não discutam mais aposentadoria, nem
carteira de trabalho. Eles não saberão que perdemos décadas tentando guardar os
dedos e os anéis.
Antes
de 1800, ninguém falava em aposentadoria. Eram tempos de trabalho escravo e
defendido por normas sociais e apelos filosóficos. Humanizou-se depois
legalmente o trabalho. Essas leis, chamadas trabalhistas, já não se sustentam. Criar-se-á
um novo paradigma a sustentar a criatividade humana, as iniciativas econômicas
restritas à limitação do planeta.
Não
houve um planejamento explicito para chegar à Revolução Industrial, nem à
Revolução Tecnológica, nem à Revolução Cibernética Digital. A espécie humana
foi levada pelos fatos, pelas necessidades da cada época. Hoje, os fatos são
outros, as necessidades são outras. As soluções serão outras. A revolução será
outra. A Quarta Revolução não é para derrubar governos. A Revolução do século
21 é plantar árvores para devolver ao planeta o que extorquimos dele.
A
realidade indica que nossos métodos econômicos não conseguem resolver os
problemas crônicos e cada dia mais presentes. É bom, e com urgência, lançar os
fundamentos para que as futuras gerações encontrem novas soluções às
dificuldades do relacionamento da espécie humana consigo e com todas as
espécies da biodiversidade, que a natureza insiste em defender.
Os
fenômenos da natureza não costumam se anunciar com antecipação nem o lugar onde
irão aparecer, nem escolhem ou discriminam possíveis vítimas ou expectadores.
A
natureza é fatalista e, por isso, temos que estar preparados para eventuais
cataclismos, infestações de vírus e bactérias. Há evidências de que a complexa
atividade humana tem gerado pandemias porque alterou o ciclo da água e do
ecossistema que mantém o equilíbrio ecológico do planeta. As mudanças
climáticas, desde milhares de anos, provocam movimentos de populações humanas e de outras espécies. Atualmente,
quase oito bilhões de humanos estreitaram com outras vidas animais suas
relações de convivência e subsistência em consequência das mudanças climáticas
que atingem a todos, de forma que vírus e bactérias viajam juntos no mesmo
avião.
Vigésima – Temos parte no empobrecimento do planeta. Qual é
nossa parte na reconstrução e na regeneração dos ecossistemas?
Na
era do antropoceno, (como relata Eugene Stoemer, biólogo americano), parte
importante das mudanças climáticas e ambientais sobre o ecossistema entra na
conta da espécie humana.
Nos últimos 200 anos foi intensa a
exploração da Terra. O solo se havia mantido quase intato até estriparmos o
ventre do planeta para lhe roubar o gás, o carvão, o petróleo, além do ouro, da
prata e do diamante.
Depende
dela. agora, construir infraestruturas que a levem a olhar a natureza e o
planeta de maneira distinta. E isto é possível. As novas gerações revelam a
necessidade de nova visão, uma visão distinta do futuro. Infelizmente, os líderes
dos principais países não demonstram essa visão. A manutenção dos investimentos
e da riqueza acumulada continua na mesa das decisões. São as novas gerações a
pôr, sobre a mesa, novas formas de atuar. Elizabeth Kolbert alertou a
humanidade sobre a sexta extinção silenciosa de espécies animais e vegetais,
sequer percebida pela maioria distraída, cuja principal autora é a espécie
humana. Milhares de espécies de animais se extinguem pela perda do habitat, das
fontes de alimentação e de água. A cegueira e o sonambulismo anestesiam os
consumidores, cada dia mais vorazes para ter mais e mais. Frente a essa anunciada
catástrofe que atingirá a natureza, é animador ouvir milhares e milhares de
jovens a bradar a declaração universal de uma emergência climática e pedem um
novo olhar verde sobre o planeta. Sim, há esperança!
7.7.2020
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