domingo, 27 de abril de 2014

ARQUITETOS E ECOLOGIA



Ao ler inúmeros textos, críticas, artigos, comentários, ataques e defesas do PPCUB, LUOS, PDOT, bons autores da área urbanística e observar o desenvolvimento da cidade capital do país, compreendi a limitação de arquitetos que projetaram Brasília, isto é, o Plano Piloto e arredores.
O projeto extraordinário do arquiteto das formas – Lúcio Costa – ficou preso à prancheta. Se o idealizador de Brasília tivesse olhado um pouco mais longe, teria percebido o previsível impacto de um projeto tão moderno e arrojado que mereceu o prêmio da arquitetura internacional. E nós não estaríamos, hoje, quebrando a cabeça para arrumar e conservar a casa desenhada.
Há evidências de que não se fizeram cálculos rigorosos para se determinar as taxas adequadas aos tipos de moradia e uso da terra conservando, ao mesmo tempo, a vegetação nativa e o regime de águas, mananciais, captação de águas pluviais e recarga dos aquíferos. Em outras palavras; onde se pode e onde não se pode edificar sob o rígido controle da lei urbana para proteção ecológica e ambiental e preservação de valores sociais.
Li, recentemente, uma biografia resumida do planejador e arquiteto de projetos urbanos, Ian McHarg (1920-2001). É presumível que Lúcio Costa o tenha conhecido. Mas o arquiteto brasileiro não teve os mesmos cuidados, a mesma paciência científica, os mesmos valores e a mesma amplitude sobre as consequências do legado de um projeto urbano das dimensões de Brasília que brotou do zero como Woodlands New Town (Huston, Texas, 1971, projeto de 80.000 ha para 50 mil pessoas).
Compare-se a generosidade do espaço oferecido aos habitantes de Brasília e aos de Woodlands. Brasília, por falta de estudos geográficos, geológicos e ecológicos obstruiu os canais de planejamento urbano que determinasse a densidade da população na ocupação da terra. Os 582 mil hectares foram descontroladamente ocupados por mais de 2,6 milhões de habitantes, cabendo a cada brasiliense 2.240 m2, menos de um quarto de hectare. Woodlands foi projetada para 50 mil habitantes, correspondendo a cada cidadão 16 mil m2, mais de um hectare e meio. O ambiente natural, a vegetação, as plantas, as características do bioma, o regime de águas foram preservados em sua totalidade. A ideia de parque foi projetada e executada. Guardadas as proporções planejadas e executadas do projeto urbano de Woodlands, Brasília emergiria do parque natural do cerrado com população de 400 a 500 mil habitantes, com águas cristalinas já detectadas pela missão Cruls, e horizontes tão vastos quanto o céu luminoso e infinito.
Penso que faltou a Lúcio Costa ligar seu monumental projeto a um centro universitário multidisciplinar de planejamento urbano, de pesquisa ecológica e ambiental e não apenas confiar açodadamente a execução física a mestres de obra improvisados, a incorporadoras e ao negócio imobiliário. O que vem acontecendo ao redor do Plano Piloto segue o mesmo processo sem estudos cuidadosos que determinem os requisitos da expansão urbana para manter os valores sociais representados pelo ambiente natural.
Em Brasília, no Distrito Federal e na área metropolitana há uma guerra declarada entre população e natureza. Dessa guerra participam com armas letais os organismos públicos, os projetistas da expansão urbana, os administradores de turno, os habitantes de quadras, superquadras e condomínios. Decisões são tomadas da noite para o dia. Fatos consumados são irredutíveis. Não é de estranhar que a guerra urbana produza o caos do salve-se quem puder.
Ultimamente, na quase impossibilidade de se preservar o que resta do Plano Piloto, apelou-se para o registro em cartório internacional do vasto céu de Brasília como patrimônio imaterial da humanidade. Há, nessa guerra urbana, quem planeja retalhar e condominiar o céu de Brasília?

Devastado o cerrado, extintos os mananciais, ameaçadas as árvores, impermeabilizado o chão, estrangulado o trânsito da convivência social dos habitantes da cidade, resta salvar o céu de Brasília.

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