quarta-feira, 12 de março de 2014

TRANSMUTAÇÃO


DO NOME AO NÚMERO. Meu nascimento estava previsto para o dia 29.6.1934. Dia de São Pedro no calendário católico. Antecipei minha chegada para o dia 28. Frustrei a decisão que, em família, haviam tomado de me dar o nome de Pedro Eugênio. A solução foi simples. Inverteu-se a ordem dos fatores e, no cartório, assentou-se Eugênio Pedro.
Na época, havia duas personalidades importantes: meu avô materno Eugenio e o cardeal Eugenio Pacelli, depois papa Pio XII. Em casa, chamavam-me carinhosamente Geninho. Certamente, as freiras da escola primária assentaram corretamente o nome de família. Creio que tenha sido por volta dos dez anos que tomei consciência de meu nome.
A transmutação do nome pode ter influenciado o caráter? Como seria eu, se fosse Pedro Eugênio? Não sei. As fases da transmutação da identidade seguiram ao longo dos anos. Passei de um nome a outro e do nome ao número. Não há, segundo minhas investigações onomásticas, outro nome igual ao meu no Brasil. Isto, porém, não é suficiente para me identificar. A Certidão de Nascimento é um velho registro raramente solicitado.
– Boa tarde! Vou ao 12º andar, consultório do doutor X.
– Sua identidade, por favor.
– A carteira?
– Só o número.
Misteriosamente, o número trouxe meu nome na tela. A atendente, de mau humor, de olhos na tela do computador, pergunta: Eugênio?
– Isto, confirmo.
Para a atendente eu era o único cidadão com esse nome.
Ao telefone, preciso um serviço de urgência da Companhia Energética de Brasília.
– Tenha em mãos o número identificador da conta, diz uma voz ainda jovem. E, em seguida: digite os quatro primeiros números de seu CPF.
A atendente não se satisfez com os onze números do CPF.
– Seu nome completo, por favor!
Concluo que, assim como há tocaios, números de CPF também geram desconfiança. Por isso, a servidora quis confirmar nome e número.
Comprei um remédio na drogaria da quadra. Antes de sair:
– Não gostaria de fazer o cadastro de fidelidade para desconto nos preços dos medicamentos?
– Pois não!
– Lembra o número do CEP?
Essa pergunta completou o cadastro. RG, CPF, CEP. Sabem quem sou e onde moro. Nessa altura das relações sociais, deixei de ser um cidadão com nome próprio e entrei definitivamente para a legião de contribuintes.
Todos esses números e nome, no entanto, de nada valeriam se eu não tivesse uma senha individual e intransferível.
– Digite sua senha.
Ainda assim minha verdadeira identidade pode ser contestada por um mecanismo chamado sistema. Com toda a autoridade eletrônica, amparada pelo avanço tecnológico indiscutível, o contribuinte é surpreendido com uma acusação de falsário em duas palavras:
– Senha inválida!

Essa é a fase final da transmutação. A passagem do nome para o número não pôde ser completada. Tente mais tarde.

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