segunda-feira, 31 de março de 2014

O PASSADO NO PRESENTE



O passado é a única testemunha do viver humano. Continua no presente e nada revela do futuro. Compõe-se de fatos imutáveis. Impassível, recebe interpretações diversas e controversas.
Podemos visitar o passado situado a milênios, a séculos ou a anos de distância. Aqui e hoje, lembramos marechais, generais e torturadores da ditadura militar, cujo golpe foi precedido de outros golpes preparatórios de contramanifestações de cunho moral e religioso e da atuação de personagens civis: Magalhães Pinto, Auro de Moura Andrade e Ranieri Mazzili.
São fatos e não se podem mudar os fatos. O Golpe Militar se deu. Parte da sociedade civil e religiosa o apoiou. Preferiu a força das armas ao diálogo democrático, ao aperfeiçoamento das instituições, à difícil tarefa de administrar a diversidade de propostas, necessidades e aspirações da população. Pretendeu impor a concretização da convivência social mantendo a desigualdade e controlando o irreprimível desejo humano de perceber e sentir a felicidade de viver em liberdade.
Ficaram no passado os vinte e um anos de ditadura militar. Há os que só têm passado e jamais terão presente. Nós podemos olhar o passado, que é parte de nós, e trazê-lo ao presente. Deixamos no sarcófago do passado a ditadura militar e a subserviência da sociedade que a aplaudiu.
Estamos vivos e temos o privilégio de olhar ao passado, aos que estão definitivamente no passado e aos que, do passado, iluminam nosso presente. O passado, que neste momento lembramos, decreta a vergonha e a infâmia de uns e ressuscita a amargura dos que sobreviveram. Amargura digna e criativa de uns. Indigna e destrutiva de outros.
Os personagens da ditadura militar demoliram instituições com atos institucionais. Censuraram a palavra, mas não puderam calar o pensamento nem antes, nem durante, nem depois que se homiziaram no passado. O país, entretanto, não pode viver a síndrome do passado.
O passado está a nos dizer que o presente pode e deve ser diferente e melhor. Um presente que seja de todos. Optamos pela democracia, infelizmente confinada à urna eleitoral. Na prática, a democracia está sendo cabresteada por várias formas de ditadura, isto é, sem a participação livre e consciente da maioria.
Democracia dominada pela ditadura econômica em mãos dos mais fortes que determinam preços, taxas e impostos. Pela ditadura financeira, em mãos de bancos especuladores que usam o dinheiro a seu bel-prazer. Pela ditadura administrativa, sem transparência, em mãos dos mais espertos e aproveitadores que privatizam a res publica. Pela ditadura ideológica da governabilidade em que se mistura o trigo ao joio de cuja farinha se produz um pão contaminado.
Optamos pela democracia. Há que passar de democracia representativa para a democracia participativa. Uma democracia ouvida. Hoje, para ser ouvido, apela-se desesperadamente para a queima de ônibus num país em que o transporte público depende de ônibus.
Há que democratizar a democracia. Há que romper o estatuto dos fatos consumados, das decisões de cima para baixo que determinam o que é bom e o que é ruim para a convivência igualitária.
Participar é exercer o pensamento. É questionar decisões antes que sejam tomadas. É desarticular esses conúbios teratológicos entre os interesses das oligarquias privadas e a administração pública. O impulso da participação tem que ser estimulado e organizado entre grupos de cidadãos, de baixo para cima, antes que os coletivos institucionais se apropriem de suas vontades, aspirações e desejos.
Podemos ter medo da rua pela insanidade do tráfego ou pela imprevisibilidade de sequestros. Não podemos ter medo da rua para expressar nosso pensamento e nossa vontade de participar nas decisões que se destinam a construir um presente que honrará nosso passado, o de nossos filhos e netos.


30.3.2014

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