domingo, 7 de julho de 2013

QUEM APERTA O BOTÃO

“O mundo está quase todo repartido, e o que resta vem sendo partilhado, conquistado e colonizado”, escreveu Cecil Rhodes (Últimas vontades e testamento, 1902). Palmo a palmo, metro a metro de terras e mares não escapam ao ativismo antropocêntrico da espécie humana, ao mesmo tempo esperançoso e destrutivo.
O avesso das manifestações nas ruas do país dá sinais de surpreendente lucidez que suscita atitudes e interpretações disparatadas, efeito do despertar súbito e inesperado dos donos da verdade. As palavras de efeito vindas de todas as partes, a favor e contra, continuam sendo as mesmas, como se esses meninos vão às ruas porque é hora do recreio e logo voltarão á sala de aula. Os cidadãos, as conhecidas lideranças tradicionais, nas academias, na imprensa, nos comandos econômicos, nas organizações civis, na administração da coisa pública, deixam transparecer que estão perdidos no meio do tropel que avança.
A lucidez da rua parece infinitamente superior aos ocupantes de gabinetes, ministérios, tribunais, câmaras legislativas, palácios presidenciais expondo ao ridículo a máquina administrativa obsoleta. Parece até que o país recobrou o juízo. Por quanto tempo esse momento de lucidez durará?
A força militar, equipada para defender as fronteiras da pátria, treinada para matar se for necessário, protege o patrimônio público e o status quo com armas eufemisticamente ditas de efeito moral, que intoxicam pulmões, cegam olhos, dispersam e confundem o grito da esperança, abrem buracos no corpo de caminhantes. As regras, a prática e a pedagogia do diálogo, do conversatório democrático e participativo atravessam ainda lentamente a fase do homem-lobo.
Enquanto as esquerdas ficam nos sintomas, “me dói aqui, me dói ali”, não têm a hombridade de apontar a causa estrutural e mostrar o botão que faz funcionar o sistema de decisões que os governos assinam com a ilusão patética de estar no comando do barco prestes a naufragar. Os governos são reféns do dedo que aciona o botão do sistema que é alimentado e alimenta interesses econômicos e financeiros que exercem o real poder de decisão.
Os administradores públicos sediados no executivo e no legislativo não demonstram nem vocação nem capacidade para administrar populações. Sua especialidade é governo. Garantem o funcionamento do sistema que os mantém no poder. Divertem-se em fazer experimentos em áreas que pouco entendem.
Lembre-se a tomada da Bastilha. Corria uma lista de 268 cabeças que deviam rolar. Simbolicamente há que decapitar as inócuas, as incapazes, as cínicas, as parasitas.
Os novos administradores da coisa pública precisam voltar-se para o século XXII com a missão de pôr gradativamente o dedo no botão dos interesses da população, razão maior de qualquer governo. No momento, o dedo de grupos de investidores está firmemente no botão dos interesses próprios, escalpelando a população para benefício e lucro imediatos.
Os governos ingenuamente ou não entram no processo funcional desse sistema sem poder nem capacidade de desativá-lo ou reorientá-lo. Quem não sabe que, no Distrito Federal, o botão do sistema de decisões está com os industriais de construção civil e rodoviária, aliados ao uso incentivado do carro individual que requer vias, viadutos, pontes e estacionamentos?
Os governos pensam que decidem, mas o fato é que apensas concordam, aceitam o que já vem pronto dos escritórios do dono do botão que põe o sistema em funcionamento. Dizem sim ao sistema e assinam as ordens de obras como se estivessem administrando a população. Administram cimento, ferro, cascalho, madeira, tijolos, não população.
Os líderes de esquerda deram importância à ideologia e esqueceram-se da filosofia política e econômica. Sem conhecer as causas profundas, ficaremos de manif em manif, de choro em choro, de sintoma em sintoma. É nessa causa que devemos chegar. A causa produz efeitos e, por enquanto, estamos atacando os sintomas. Será difícil chegar ao essencial, à causa dos problemas econômicos e políticos, alimentando a equivocada filosofia do crescimento econômico com decrescimento da capacidade social e participativa de administrar grandes populações.
Mobilidade, plebiscito, referendum, suspensão temporária de impostos para excitar o consumo, expansão urbana sem cuidados da biodiversidade, biocomunidade, 39 ministérios, teleféricos sem saneamento, como disse um rapaz de uma favela pacificada, pão sem participação são truques que cansam o cidadão.
Todas as decisões são para parte da população. Não importa qual parte. Nem sequer o bolsa família que é uma decisão puramente burocrática, mecânica, instrumental, operada por meios eletrônicos é para todos os necessitados, além de contemplar os que não se enquadram nos critérios pré-estabelecidos.
A farsa da administração da coisa pública está sendo posta à prova. Os arúspices, no término das sessões de enganar incautos, ao encontrarem outros trapaceiros pelas ruelas de Roma, perguntavam-se com escárnio: risum teneatis, amici? Amigos, vocês conseguem conter o riso?
– – –
Nota: Sou sociólogo naturalista e escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).

Nenhum comentário: