“Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê...
Contra a farta de respeito
Cada um tem seu direito.”
Patativa do Assaré
As manifestações de rua da última quinzena de junho
despertaram a sociedade brasileira. O basta! soou como um trovão. A explosão
popular, sem nome e sem rosto, tomou de surpresa os mais altos escalões do
governo e transformou as ruas num imenso congresso nacional aberto, livre e
independente. Uma onda volumosa de insatisfação pelos rumos das decisões
administrativas, econômicas, financeiras, sociais e culturais, conjugada à
indignação diante dos malfeitos, da corrupção e da impunidade, pôs às claras os
procedimentos do mau uso da democracia política.
Fracassarão as tentativas de apropriação indébita das
manifestações populares, da superposição de agendas para dispersar o foco das
mudanças, da imputação de responsabilidades para safar-se do julgamento eleitoral.
A farsa generalizada, as mentiras veiculadas nas propagandas oficiais, o
estímulo quase criminoso ao consumismo degradante foram desmascarados e o rei
ficou nu.
As ruas, de norte a sul
do país, demonstram que democracia não se confunde com poder. O conteúdo
expresso nos cartazes indicou a necessidade de humanizar a convivência,
democratizar a democracia e civilizar a civilização brasileira, apontando para
um futuro humanizado, de paz, de convivência igualitária, de respeito às leis,
aos cidadãos, à biodiversidade social e à biocomunidade ecológica. Há que ler a
outra face do cartaz.
É previsível que, em pouco, já não se ouvirão vozes
nas ruas, nem serão lidos cartazes de sagaz inteligência, de fina ironia ou de
severas admoestações. Mas seu eco permanecerá e a sociedade, a administração
pública, o governo, o congresso nacional e os tribunais da república não o
extinguirão impunemente.
O humanifesto das ruas está a indicar mudanças, não
apenas para eliminar a vírgula dos preços do transporte, mas para o que está
além da vírgula. Aponta para mudanças que afetam decisões tomadas em círculos
fechados onde se estabelecem os custos e os preços da cesta básica de
alimentos, das anuidades escolares, das consultas médicas, do transporte
público, dos investimentos supérfluos e do desperdício do dinheiro do povo.
Mudanças nos rumos da atual filosofia econômica que privilegia grandes
instituições empresariais da indústria, do consumo e de bancos consolidando as
desigualdades na educação, na saúde, na moradia, no trabalho e na renda do
cidadão.
O humanifesto das ruas passa ao largo dos indicadores
fartamente anunciados para justificar o crescimento econômico a qualquer custo
humano e ambiental, e aponta para o desenvolvimento da consciência política, da
justiça social, da moralidade, da ética, da preservação das diferenças
culturais e da diversidade de opiniões com direito à expressão livre e ao
respeito.
O humanifesto das ruas é outro para quem quer ouvi-lo.
Educação universal e gratuita, conhecimentos básicos e sólidos, ampliação da
capacidade de pensar, criticar e agir são os ingredientes da receita que parece
não ter alcançado os políticos, os ideólogos, os formadores de opinião e os
manipuladores do poder.
Vivemos numa alvorada em que a cidadania começa a
sentir o incômodo do cabresto de decisões políticas pseudodemocráticas e a
arrogância obtusa do cavaleiro soberano. (EG)
Eugênio Giovenardi – ANE, IHG/DF
João Alfredo Sinício – IKONE
João Carlos Taveira – ANE, IHG/DF, ABrL
José Santiago Naud – ANE, IHG/DF
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