segunda-feira, 10 de maio de 2010

QUARTO MUNDO

Analistas financeiros, cuja matriz geradora de perspectivas é o crescimento do PIB, anunciam suas previsões: no ano 2020, o Brasil será a quinta potência econômica do planeta.

Essas análises vêm de Nova Iorque ou Londres, embelezadas e postas nas vitrinas de São Paulo e Rio de Janeiro por nossos jornalistas especializados. A quinta potência de 2020 conseguirá dar outro nome às favelas do Rio de Janeiro e aos 5 milhões de paulistanos residentes em áreas irregulares, sujeitas a inundações e deslizamentos de morros? Se, debaixo de suas barbas, estão fortes elementos que dividem nosso país em vários Brasis, qual deles será a quinta potência?

A 50 quilômetros do centro da capital federal – Brasília − está o Engenho das Lajes, um vilarejo de 5 mil almas. Os empreiteiros do Brasil quinta potência decidiram construir sobre a Rodovia BR 060, que separa a comunidade em duas metades, um viaduto desnecessário e inútil. Sua única finalidade é aumentar o percentual do PIB regional.

Se a quinta potência terá essa mesma irracionalidade na administração do dinheiro público, não há que duvidar de que possa chegar à terceira potência. O Engenho das Lajes tem um viaduto desnecessário e inútil. Os habitantes do vilarejo não foram atendidos em seu pedido ao longo de 20 anos para que se construísse uma passarela de pedestres. A escola e a biblioteca estão numa das metades do vilarejo. O supermercado, o posto de saúde e o posto da polícia estão no outro lado. A rodovia duplicada recebe o fluxo de milhares de automóveis, caminhões e ônibus entre as capitais de Minhas Gerais, de Goiás e do Distrito Federal, ensurdecendo a comunidade e ameaçando seus habitantes.

O Engenho das Lajes tem fornecimento de água precário, os esgotos não são coletados em redes e muitos escorrem pelo chão, somados ao lixo atirado nas sarjetas. As ruas contaminam as casas com nuvens permanentes de poeira, na época seca e se enchem de lama no período chuvoso. O número de desempregados, de roubos, de gravidez precoce, de alcoólatras se expande sem controle, apesar da multiplicação de igrejas de todos os matizes bíblicos.

Há milhares de Engenhos das Lajes neste país que os analistas internacionais preveem como quinta potência. Os artifícios estatísticos que medem a expansão do PIB não melhoram a educação nem a saúde de milhões de brasileiros condecorados com a medalha de quinta potência.

Há milhares de Engenhos das Lajes neste país a quem se lhes deu viadutos, mas não se pensou em lhes construir uma passarela, aumentar o número de horas escolares, pavimentar ruas, canalizar esgotos, abrir uma casa de cultura para ver filmes e ouvir música.

Seremos quinta potência guardando com entusiasmo futebolístico a maior diferença salarial, o preconceito racial, a desigualdade social e a indiferença política.

Conheço o Engenho das Lajes há mais de 30 anos. Que mudanças visíveis houve ali? Houve aumento da população sem condição digna de moradia. Os serviços de ensino, higiene e saúde são inadequados. A urbanização é uma aventura individual do cidadão sem recursos. Mas o PIB não se alimenta desses serviços. O PIB cresce nesse circuito nefasto de consumir-produzir-consumir, não importa que sejam viadutos desnecessários.

Os milhares de Engenhos das Lajes, ao longo e ao largo do país, são a expressão mais legitima do Quarto Mundo que subsistirá em 2020 quando o PIB do Brasil lhe dará a posição de Quinta Potência.

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