sexta-feira, 20 de novembro de 2009

TRÂNSITO DE BÁRBAROS

Estamos à beira da avenida, Montemor e eu, tentando atravessar para o outro lado.
No volante do automóvel, a pessoa – homem ou mulher, jovem ou idoso – está prestes a liberar o saco de maldades, frustrações, decepções, ambições, desejos inconscientes de dominação, atitudes insolentes e instintos assassinos.
A limitação do espaço, a vontade de ser o primeiro da fila por ter sido preterido em casa ou no trabalho, a necessidade compulsiva de chegar antes de outro qualquer, a ânsia de assegurar para si o estreito campo da faixa, a pressão do tempo que o acicata, tudo concorre para que o irracional se sobreponha ao bom senso. A afoiteza sobrepuja a prudência, o egoísmo se impõe à educação solidária.
O acesso a uma avenida de alta velocidade é como experimentar a sensação de cair num rio coalhado de piranhas e jacarés. A fúria está no ar, no fluxo de flechas que ameaçam o incauto e estraçalham o ânimo do transeunte.
A rua se transforma num campo de batalha. O condutor é invisível. A importância visível está no carro, intermediário do poder. Os tanques velozes avançam contra o inimigo putativo que se dirige na mesma direção. Guerra do trânsito que deixa mais de 40 mil mortes no curso fugidio do ano. Mutilados saem dos hospitais em cadeira de rodas. Mutilada, plégica e tetraplégica está a alma das pessoas no fim do dia. Entram na própria casa de muletas, estilhaçadas pelo ruído dos motores, pelo chiado dos pneus, cobertos pela fuligem da fumaça. Irreconhecíveis.
Potência do motor é orgulho do condutor que se lança em velocidade louca, expõe a prepotência do espírito. A máquina esconde sob a lataria as fragilidades e as impotências invencíveis do condutor fora do carro.
A barbárie humana sobre rodas.

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