MEUS 89 ANOS
O caminho me levou aos 89,
Passo a passo, amando a vida
E todas as vidas, com liberdade,
Respeitando com precaução
A velocidade da via.
Aos 89 anos, compreendo que a vida é o alvo. Vida vegetal, vida
animal, vida sapiente. A vida surge da água e toma a forma de um ser capaz de
se reproduzir. Cuidar das águas é, portanto, garantir a sobrevivência de todos
os seres segundo suas espécies. O essencial, então, é estar vivo. O importante
é manter a vida. O caminho da vida, como um rio, é feito passo a passo, gota a
gota. “Golpe a golpe, verso a verso”, disse o poeta. O caminho se abre fácil ou
difícil ao avançar. É o que percebo convivendo, por 49 anos, com as vidas do singelo
Sítio das Neves, hoje regenerado, no coração do Cerrado, no Planalto Central do
Brasil. Interajo, como hóspede na biocomunidade, com todos os seres vivos de
todas as espécies. Sinto em mim a vida deles. Estou rodeado de vidas e cada
vida tem seu caminho. Gostar da própria vida é colher felicidade. No meio do
caminho há pedras e flores. Mais flores que pedras. Flores sobre pedras.
Dediquei largos anos a compreender e a aceitar os limites da
enigmática contradição do agir irrefreável do homo sapiens que, para viver, destrói vidas. Entristeço-me com o
comportamento humano. Em 300 mil anos, o sapiens ainda não compreendeu nem
aceitou os limites dessa contradição. Minha intuição é que o fascínio da
tecnologia e os arroubos da inteligência artificial sem limites provocarão amargos
tempos à espécie sapiente. Viver é preciso! Viver!
Registro meu testemunho. Amo as árvores porque as vejo nascer,
sorrir, cantar, dançar ao sol e ao vento, abrigar ninhos de pássaros, dar
sombra ao tamanduá solitário e repousar à noite admirando estrelas. Amo as
árvores porque elas protegem as águas que garantem a vida. Se alguém lembrar de
mim, quando minhas cinzas estiverem ao pé da Guapeva, à beira do Córrego da
Mata Azul, no Sítio das Neves, diga apenas: ele amou as árvores!
PARA
VOVÔ
Senhor
Tempo grandioso
Como
ele é valoroso.
Misteriosa
arte fina
Simplesmente
engenhoso.
Tem
minuto infinito
Tem
milênios num piscar
É como
o mar em uma gota
Sendo
uma gota do mar.
Laura
Giovenardi Goretti (Senhor Tempo)
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