COMENTÁRIOS AO LIVRO
O CONHECIMENTO, ESSE DESCONHECIDO
Frederico Filgueiras Pohl
Roberta Horta Barbosa
Filgueiras Pohl
Ler um livro é
entrar numa floresta habitada por seres vivos. A leitura de O conhecimento, esse desconhecido foi um
passeio filosófico físico e metafísico pela densa e imprevisível floresta
humana em busca da essência dos seres vivos, humanos e não humanos e das coisas
inanimadas. Os guias dessa floresta, Roberta Pohl e Frederico Pohl, deram o tom
certo, a leveza dos passos e deixaram liberdade ao caminhante para observar,
olhar, admirar, pensar e conhecer todas as paisagens que envolvem a vida.
DEFINIÇÃO. Na
entrada da floresta há que definir o caminho, a direção a tomar, o que e como
olhar para reconhecer os seres no vasto espaço em que se movem, como se
relacionam, o que dizem, que respostas esperam. Numa caminhada há silêncios
súbitos e interrogações inquietantes.
VIDA. A mais
impactante realidade é o milagre da vida operado pela natureza. É o ponto alto
desse passeio. Que quer dizer vida? Por que viver à espera do fim? Que
recebemos com o milagre da vida e o que deixamos aos outros seres vivos? Ao
terminar o passeio ficam as imagens e os encantos dos encontros com conhecidos
e desconhecidos. Flores belas, árvores altas, riachos mansos, ruídos e gritos
de espanto. Há planícies, há pedras no caminho, há precipícios a evitar. Ao
longo da caminhada ficam as pegadas para os que vêm depois.
SER. Há seres por
toda parte. Quem são? Somos todos, de alguma forma, desconhecidos neste
admirável longo caminho. Abraçados pelo Cosmos enigmático, que verdades os
desconhecidos nos comunicam? Todos os seres são verdadeiros na essência
existencial. Haverá tempo para conhecê-los e dialogar com eles? Estamos todos
no mesmo mundo desconhecido e jamais sairemos dele. Os seres vivos por serem
diferentes uns dos outros expressam seu jeito próprio de viver. As diferenças
dão o toque da beleza da vida e também das desigualdades.
CONHECIMENTO. O
perfume da flor, o canto do sabiá, a Lua no céu, a fruta doce, a espinhada do
cacto se refugiam no meu cérebro. Amanhã, ao ver a flor, o cérebro me lembra
que ela é perfumada. Conheço uma parte da flor. Gosto da flor e a ofereço a
outrem. A flor faz parte do diálogo da vida. Vou colhendo no passeio da
floresta algumas certezas, muitas dúvidas, ignorância generalizada, o alerta
silencioso do invisível, o natural, o sobrenatural. O físico e o metafísico
estão na flor, nas folhas e nas raízes. O que é a auto-organização da natureza?
Como expressar a outrem o que se aprende? A palavra diz o que se pretendeu
conhecer. O certo e o errado. O verdadeiro e o falso. O discutível e o indiscutível.
A caminhada pela floresta me encheu os olhos de tantas árvores, pássaros,
pedras, águas e ruídos. Num momento de silêncio enigmático e pensativo
perguntei-me: quem sou eu nesta floresta.
AUTOCONECIMENTO. Sentei-me,
pensativo, num toco enfeitado de cogumelos brancos. Lembrei-me da resposta de
Sócrates (1470-399 a.C.) ao aluno que lhe perguntou como chegar ao conhecimento
da verdade, do certo e do errado. Respondeu o filósofo “Conhece-te a ti mesmo,
antes de especular o desconhecido”. Quem quer se conhecer? Como? Por quê? Olho
para mim. Não sei quem sou, onde estou e por que estou nesta caminhada. Tomo
consciência de que sou diferente da flor, do passarinho que voa e do amigo que
ontem me deu bom-dia. Eu não sou o outro.
PERIGO. Nesta
caminhada cheia de incertezas, dúvidas e afirmações, “são grandes os perigos
desta vida”, cantava Vinícius de Moraes. No passeio pela floresta filosófica e
metafísica, veem-se borboletas, ouvem-se cantos de pássaros, voam insetos e
arrastam-se cobras. Além dos carros que não respeitam pedestres. Os perigos vêm
de cima, dos lados, de baixo e de onde menos se espera.
MORTE. Percebi, ao
desviar um galho seco sobre a trilha, a asa caída de uma borboleta. A morte é a
outra face do milagre. Se a vida é para participar do Cosmos, por que morrer?
Morrem os humanos e os não humanos. A vida une. A morte separa. Toda separação
é dolorosa. Anuncia-se o dia do nascimento. O da morte não será anunciado. Esse
momento pertence ao ser vivo. Há 300 mil anos, os Neandertais tomaram consciência
de uma certeza ─ a morte. Nos sepultamentos celebravam a memória da vida. A
morte está no meio do caminho. É uma realidade sem tempo. O caminho do
caminhante acaba. Fica a história singular de cada um.
MEDO. O medo da
morte. O medo do invisível. O medo do desconhecido. A bactéria, sem vacina,
chamada medo! Sempre ao lado, no começo, no meio e no fim do caminho. O outro,
as outras coisas, as leis, as verdades impostas trazem o vírus do medo. O
invisível e o desconhecido atuam como estimulantes do medo. A vacina que
controla o medo é obra de cada um.
PODER. A certa
altura da caminhada, diante de árvores altas, iluminado pelo Sol, perguntei-me
desolado: que poder tenho eu neste passeio existencial? Vi, ontem, o Palácio da
Alvorada e, mais adiante o casebre de um mendigo. Quem pode sobre o outro, se
todos podem? Há equilíbrio no poder? Quem faz as leis para o mendigo? E para os
que têm poder? O que é o poder? Quem julga? Quem condena? Quem premia? É
possível desligar-se do poder? Quem obedece a quem? Como livrar-se de
controles?
SEXO. Quem escolhe
o próprio sexo? Ser masculino ou feminino? Fecundar ou ser fecundado? Este
momento faz parte do mistério e do milagre da vida. Qual dos sexos atrai o
outro? Impulsos existenciais? Negociação inconsciente? Diálogos inaudíveis? Um
contrato não escrito da natureza? E o caracol hermafrodita, de longos sensores,
que vejo levando lentamente sua a casa nas costas, rompeu essa dualidade? Uniu
o que os outros seres vivos separaram? O sexo não tem fronteira de espaço nem
de tempo. Seu uso é criativo. Faz parte dos prazeres, das dores, da vida e da
morte dos seres humanos e não humanos.
RELIGIÃO,
ESPIRITUALIDADE E MILAGRE. O que embaraça o repouso do cérebro humano na busca
do conhecimento é o invisível metafísico, o desconhecido impenetrável que se
esconde por trás do fim do caminho. Quem ou o que está além do ponto ômega. As
conjeturas do cérebro não trazem tranquilidade ao ser pensante. É um passo no
escuro iluminado por um sentimento vago na esperança de encontrar a epifania do
milagre da vida. Tito Lucrécio Caro (90 a.C.), no poema A natureza das coisas, cunhou a palavra superstição (supersticio) para significar o que está
além, por cima das coisas e da percepção dos sentidos. Aderiu à opinião de
Epicuro que resumiu a vida “ao prazer de viver”. Uma espiritualidade provisória
sem medo do invisível. O medo dos ancestrais mortos cria administradores do
invisível que falam por ele e dominam os vivos por ele.
FELICIDADE. Neste
passeio pela floresta física, paro, olho, percebo, de repente, um silencio
pensativo, sereno, imóvel e sinto um prazer indizível que me faz exclamar ─ que
paz? Um momento apenas de felicidade vegetal no meio da floresta habitada por
desconhecidos, por seres que lutam pela vida. Há momentos em que o cérebro compreende
o mistério da vida e aceita sem medo as circunstâncias momentâneas da alegria
de viver. Nesse breve instante existencial percebe-se a liberdade de ser, de
pensar, de agir, de se reconhecer como ente único e livre de qualquer
dominação. No fim deste passeio filosófico e metafísico, percebo que tenho em
mim parte do vegetal, do animal não humano e do mineral que pavimenta meu
caminho. Precisei chegar aos 88 anos para conhecer a melhor parte de mim: a
curiosa ignorância investigativa.
12..3.2023
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