quarta-feira, 10 de maio de 2023

COMENTÁRIOS AO LIVRO

 

COMENTÁRIOS AO LIVRO

 

O CONHECIMENTO, ESSE DESCONHECIDO

Frederico Filgueiras Pohl

Roberta Horta Barbosa Filgueiras Pohl

Ler um livro é entrar numa floresta habitada por seres vivos. A leitura de O conhecimento, esse desconhecido foi um passeio filosófico físico e metafísico pela densa e imprevisível floresta humana em busca da essência dos seres vivos, humanos e não humanos e das coisas inanimadas. Os guias dessa floresta, Roberta Pohl e Frederico Pohl, deram o tom certo, a leveza dos passos e deixaram liberdade ao caminhante para observar, olhar, admirar, pensar e conhecer todas as paisagens que envolvem a vida.

DEFINIÇÃO. Na entrada da floresta há que definir o caminho, a direção a tomar, o que e como olhar para reconhecer os seres no vasto espaço em que se movem, como se relacionam, o que dizem, que respostas esperam. Numa caminhada há silêncios súbitos e interrogações inquietantes.

VIDA. A mais impactante realidade é o milagre da vida operado pela natureza. É o ponto alto desse passeio. Que quer dizer vida? Por que viver à espera do fim? Que recebemos com o milagre da vida e o que deixamos aos outros seres vivos? Ao terminar o passeio ficam as imagens e os encantos dos encontros com conhecidos e desconhecidos. Flores belas, árvores altas, riachos mansos, ruídos e gritos de espanto. Há planícies, há pedras no caminho, há precipícios a evitar. Ao longo da caminhada ficam as pegadas para os que vêm depois.

SER. Há seres por toda parte. Quem são? Somos todos, de alguma forma, desconhecidos neste admirável longo caminho. Abraçados pelo Cosmos enigmático, que verdades os desconhecidos nos comunicam? Todos os seres são verdadeiros na essência existencial. Haverá tempo para conhecê-los e dialogar com eles? Estamos todos no mesmo mundo desconhecido e jamais sairemos dele. Os seres vivos por serem diferentes uns dos outros expressam seu jeito próprio de viver. As diferenças dão o toque da beleza da vida e também das desigualdades.

CONHECIMENTO. O perfume da flor, o canto do sabiá, a Lua no céu, a fruta doce, a espinhada do cacto se refugiam no meu cérebro. Amanhã, ao ver a flor, o cérebro me lembra que ela é perfumada. Conheço uma parte da flor. Gosto da flor e a ofereço a outrem. A flor faz parte do diálogo da vida. Vou colhendo no passeio da floresta algumas certezas, muitas dúvidas, ignorância generalizada, o alerta silencioso do invisível, o natural, o sobrenatural. O físico e o metafísico estão na flor, nas folhas e nas raízes. O que é a auto-organização da natureza? Como expressar a outrem o que se aprende? A palavra diz o que se pretendeu conhecer. O certo e o errado. O verdadeiro e o falso. O discutível e o indiscutível. A caminhada pela floresta me encheu os olhos de tantas árvores, pássaros, pedras, águas e ruídos. Num momento de silêncio enigmático e pensativo perguntei-me: quem sou eu nesta floresta.

AUTOCONECIMENTO. Sentei-me, pensativo, num toco enfeitado de cogumelos brancos. Lembrei-me da resposta de Sócrates (1470-399 a.C.) ao aluno que lhe perguntou como chegar ao conhecimento da verdade, do certo e do errado. Respondeu o filósofo “Conhece-te a ti mesmo, antes de especular o desconhecido”. Quem quer se conhecer? Como? Por quê? Olho para mim. Não sei quem sou, onde estou e por que estou nesta caminhada. Tomo consciência de que sou diferente da flor, do passarinho que voa e do amigo que ontem me deu bom-dia. Eu não sou o outro.

PERIGO. Nesta caminhada cheia de incertezas, dúvidas e afirmações, “são grandes os perigos desta vida”, cantava Vinícius de Moraes. No passeio pela floresta filosófica e metafísica, veem-se borboletas, ouvem-se cantos de pássaros, voam insetos e arrastam-se cobras. Além dos carros que não respeitam pedestres. Os perigos vêm de cima, dos lados, de baixo e de onde menos se espera.

MORTE. Percebi, ao desviar um galho seco sobre a trilha, a asa caída de uma borboleta. A morte é a outra face do milagre. Se a vida é para participar do Cosmos, por que morrer? Morrem os humanos e os não humanos. A vida une. A morte separa. Toda separação é dolorosa. Anuncia-se o dia do nascimento. O da morte não será anunciado. Esse momento pertence ao ser vivo. Há 300 mil anos, os Neandertais tomaram consciência de uma certeza ─ a morte. Nos sepultamentos celebravam a memória da vida. A morte está no meio do caminho. É uma realidade sem tempo. O caminho do caminhante acaba. Fica a história singular de cada um.

MEDO. O medo da morte. O medo do invisível. O medo do desconhecido. A bactéria, sem vacina, chamada medo! Sempre ao lado, no começo, no meio e no fim do caminho. O outro, as outras coisas, as leis, as verdades impostas trazem o vírus do medo. O invisível e o desconhecido atuam como estimulantes do medo. A vacina que controla o medo é obra de cada um.

PODER. A certa altura da caminhada, diante de árvores altas, iluminado pelo Sol, perguntei-me desolado: que poder tenho eu neste passeio existencial? Vi, ontem, o Palácio da Alvorada e, mais adiante o casebre de um mendigo. Quem pode sobre o outro, se todos podem? Há equilíbrio no poder? Quem faz as leis para o mendigo? E para os que têm poder? O que é o poder? Quem julga? Quem condena? Quem premia? É possível desligar-se do poder? Quem obedece a quem? Como livrar-se de controles?

SEXO. Quem escolhe o próprio sexo? Ser masculino ou feminino? Fecundar ou ser fecundado? Este momento faz parte do mistério e do milagre da vida. Qual dos sexos atrai o outro? Impulsos existenciais? Negociação inconsciente? Diálogos inaudíveis? Um contrato não escrito da natureza? E o caracol hermafrodita, de longos sensores, que vejo levando lentamente sua a casa nas costas, rompeu essa dualidade? Uniu o que os outros seres vivos separaram? O sexo não tem fronteira de espaço nem de tempo. Seu uso é criativo. Faz parte dos prazeres, das dores, da vida e da morte dos seres humanos e não humanos.

RELIGIÃO, ESPIRITUALIDADE E MILAGRE. O que embaraça o repouso do cérebro humano na busca do conhecimento é o invisível metafísico, o desconhecido impenetrável que se esconde por trás do fim do caminho. Quem ou o que está além do ponto ômega. As conjeturas do cérebro não trazem tranquilidade ao ser pensante. É um passo no escuro iluminado por um sentimento vago na esperança de encontrar a epifania do milagre da vida. Tito Lucrécio Caro (90 a.C.), no poema A natureza das coisas, cunhou a palavra superstição (supersticio) para significar o que está além, por cima das coisas e da percepção dos sentidos. Aderiu à opinião de Epicuro que resumiu a vida “ao prazer de viver”. Uma espiritualidade provisória sem medo do invisível. O medo dos ancestrais mortos cria administradores do invisível que falam por ele e dominam os vivos por ele.

FELICIDADE. Neste passeio pela floresta física, paro, olho, percebo, de repente, um silencio pensativo, sereno, imóvel e sinto um prazer indizível que me faz exclamar ─ que paz? Um momento apenas de felicidade vegetal no meio da floresta habitada por desconhecidos, por seres que lutam pela vida. Há momentos em que o cérebro compreende o mistério da vida e aceita sem medo as circunstâncias momentâneas da alegria de viver. Nesse breve instante existencial percebe-se a liberdade de ser, de pensar, de agir, de se reconhecer como ente único e livre de qualquer dominação. No fim deste passeio filosófico e metafísico, percebo que tenho em mim parte do vegetal, do animal não humano e do mineral que pavimenta meu caminho. Precisei chegar aos 88 anos para conhecer a melhor parte de mim: a curiosa ignorância investigativa.

 

12..3.2023

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