ADVERSIDADES DO REFLORESTAMENTO
Uma análise ecossociológica de relações possíveis entre comportamento
de plantas introduzidas em ecossistemas degradados e vegetação nativa
remanescente.
Três quartos da
área emersa do planeta estão desflorestados. Os sinais se manifestam pelo
aquecimento global, pela emissão de carbono de efeito estufa. As Conferências
sobre Mudanças Climáticas (COP’s) se repetem anualmente e medidas são ensaiadas
em todos os países do globo. O grito revolucionário do século XXI não é para
derrubar presidentes de repúblicas. É para proteger o que resta de florestas e
plantar árvores para reavivar a regeneração de ecossistemas ao longo e largo do
planeta.
O
reflorestamento de áreas degradadas por fenômenos naturais ou pelo uso
inadequado do solo para agricultura ou bovinocultura é uma forma de contribuir
ao esforço natural da regeneração de um ecossistema. O processo de regeneração
é uma atividade natural dos ecossistemas, sem necessidade de intervenção
externa programada. O tempo da regeneração natural ou sistêmica depende da
gravidade da degradação e do comportamento histórico da vegetação original. A
semeadura de sementes variadas, próprias dos ecossistemas, é uma das medidas
que podem, ao longo do tempo, recuperar um habitat devastado. Vários agentes
semeadores, além de pessoas ─ aves, roedores, vento ─, podem promover e ativar
a regeneração de uma área devastada.
Outra forma de
apoio à recuperação de terras cansadas é o transplante de mudas preparadas em
ambientes artificiais e levadas a um novo solo. Esta modalidade de
reflorestamento é estimulada por organismos públicos e organizações não
governamentais. Milhões de mudas foram transplantadas com relativo sucesso e
transformaram áreas devastadas pela agricultura ou bovinocultura em florestas
artificiais. Reabilitaram parcialmente o habitat de antigos habitantes que
voltam para se readaptarem ao novo ambiente de sobrevivência.
Têm-se
observado em áreas de reflorestamento com espécies nativas e/ou alienígenas
dois resultados distintos. O plantio de eucaliptos e pinos para uso comercial e
industrial cobriram áreas contínuas, auxiliaram na retenção parcial de águas
pluviais, sombrearam o terreno, mas o esterilizaram atraindo pouca diversidade
de vidas que nessas terras virgens viviam. Esse tipo de reflorestamento altera
o ecossistema original. Os benefícios podem ser econômicos, mas não
essencialmente ecológicos.
O plantio de
mudas diversificadas, nativas ou alienígenas, enfrenta algumas adversidades e
nem sempre responde às expectativas dos reflorestadores quanto ao
desenvolvimento das plantas e ao tempo de adaptação delas ao novo lar. A
preparação de mudas se dá em ambiente artificial, previamente preparado, com
técnicas de adubação e controle das condições ambientais favoráveis ao crescimento.
O solo degradado que vai receber essas mudas bem alimentadas não apresenta as
mesmas condições do ambiente artificial. O oferecimento de água e de nutrientes
às mudas transplantadas não se repetirá com a mesma regularidade e intensidade
nos novos procedimentos.
As mudas
replantadas se ressentem das condições de que gozavam no berçário da estufa.
Nasceram e prosperaram, durante meses, socialmente integradas na comunidade
artificial. Com o transplante são individualizadas e separadas do convívio
vegetal em que se desenvolveram. Seus vizinhos são desconhecidos e nem sempre
dispostos ao diálogo vegetal. A
hostilidade invisível do solo, a presença de outros componentes da
biodiversidade, como predadores vegetais (arbustos mais competitivos) e animais
(formigas, cupins, roedores) podem dificultar o desenvolvimento dos novos
habitantes. O controle dessas adversidades, quando a extensão da área é grande,
se torna difícil e o tempo da regeneração e da integração de novos habitantes
vegetais nem sempre é previsível. Agro é paciência e constância.
A adaptação das
mudas ao novo solo, às características vegetais estabelecidas do ambiente
desconhecido, às condições diferentes do clima vigente na área degradada,
exigirá delas o consumo diário de energias acumuladas durante a primeira fase
de crescimento. A sociabilidade compartilhada no viveiro se reduz à
individualidade despida e solitária diante de inumeráveis vizinhos
desconhecidos. As reações mais enérgicas da muda transplantada são gastas para
sobreviver com alimentos diversificados que as raízes possam achar em sua nova
aventura subterrânea.
As facilidades
anteriores para transformar os ingredientes brutos em açúcares, graças à água
oportuna e adequada então recebida, já não existem nas mesmas proporções e
horários. O ecossistema artificial socializado se rompe para jovens plantas que
enfrentam outro ecossistema, onde a luta pela sobrevivência é individualizada.
A resistência do ambiente para recompor as condições ecossistêmicas anteriores
à degradação se prolonga por anos ou décadas. O tempo da natureza não é o tempo
de horário marcado. As adversidades que atingem as novas habitantes se agravam
em face da competição vegetal, pois todas as plantas comem na mesma mesa armada
com iguarias dispersas e em estado bruto. Este conflito vegetal entre os
habitantes alienígenas transplantados e a organização do ambiente estabelecido
pode se prolongar no tempo e até levá-los ao definhamento.
A aceitação ou
rejeição às imigrantes inexperientes, manifestadas pela vegetação estabelecida
e experiente, são comportamentos que exigem do transplantador percepção e
cuidados, conhecimento e assistência, para integrar as novas plantas à
organização social e vegetal do ecossistema alterado. A regeneração espontânea
de um ecossistema é uma função orgânica estrutural permanente. Qualquer
intervenção de caráter auxiliar há de colaborar com as energias do processo
natural da auto-organização do ecossistema.
Um plano
técnico de plantio impositivo rompe e altera a estrutura de relacionamento de um
ecossistema em curso há milhares de anos. Um ecossistema pode ter sido alterado
por diferentes fenômenos ou intervenções ─ desmatamento, queimadas, métodos de
produção inadequados. É prudente, ao traçar um plano de reflorestamento,
conhecer a história do ecossistema degradado. Este ecossistema está vivo e vem
continuamente tomando medidas orgânicas para se recompor lentamente e dar
guarida à biodiversidade que reflete sua identidade local e regional.
Há um diálogo
silencioso e constante, no ecossistema, entre a experiência da comunidade
arbórea estabelecida e a inexperiência das individualidades introduzidas, ainda
infantes, abandonadas à própria sorte. O tempo será lento para a restauração do
ecossistema. Os humores climáticos ao longo dos dias e das estações se revelam
durante os períodos diurnos e noturnos. Dependem dos ventos e das chuvas e não
têm compromissos com os planos humanos de intervenção utilitária nos
ecossistemas para satisfazer necessidades e interesses econômicos. A espécie
sapiente é a parte populacional menor da biodiversidade, mas importante nos
resultados de suas ações e interações com o ecossistema.
Um dos aspectos determinantes do comportamento humano, no âmbito da biodiversidade, se refere ao conceito de sujeito e objeto. A interação e a interdependência dos seres vivos refletem a linha existencial que une os sujeitos e determinam sua sobrevivência e reprodução. Todos os seres vivos têm identidade. São sujeitos pertencentes a um ecossistema e não podem ser tratados como simples objetos pela espécie humana. A interação e a interdependência fazem parte do princípio da precaução que orienta inteligentemente as relações da espécie humana com todos os componentes da biodiversidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário