quarta-feira, 2 de novembro de 2022

ADVERSIDADES DO REFLORESTAMENTO

 

ADVERSIDADES DO REFLORESTAMENTO

 

 

Uma análise ecossociológica de relações possíveis entre comportamento de plantas introduzidas em ecossistemas degradados e vegetação nativa remanescente.

 

Três quartos da área emersa do planeta estão desflorestados. Os sinais se manifestam pelo aquecimento global, pela emissão de carbono de efeito estufa. As Conferências sobre Mudanças Climáticas (COP’s) se repetem anualmente e medidas são ensaiadas em todos os países do globo. O grito revolucionário do século XXI não é para derrubar presidentes de repúblicas. É para proteger o que resta de florestas e plantar árvores para reavivar a regeneração de ecossistemas ao longo e largo do planeta.

O reflorestamento de áreas degradadas por fenômenos naturais ou pelo uso inadequado do solo para agricultura ou bovinocultura é uma forma de contribuir ao esforço natural da regeneração de um ecossistema. O processo de regeneração é uma atividade natural dos ecossistemas, sem necessidade de intervenção externa programada. O tempo da regeneração natural ou sistêmica depende da gravidade da degradação e do comportamento histórico da vegetação original. A semeadura de sementes variadas, próprias dos ecossistemas, é uma das medidas que podem, ao longo do tempo, recuperar um habitat devastado. Vários agentes semeadores, além de pessoas ─ aves, roedores, vento ─, podem promover e ativar a regeneração de uma área devastada.

Outra forma de apoio à recuperação de terras cansadas é o transplante de mudas preparadas em ambientes artificiais e levadas a um novo solo. Esta modalidade de reflorestamento é estimulada por organismos públicos e organizações não governamentais. Milhões de mudas foram transplantadas com relativo sucesso e transformaram áreas devastadas pela agricultura ou bovinocultura em florestas artificiais. Reabilitaram parcialmente o habitat de antigos habitantes que voltam para se readaptarem ao novo ambiente de sobrevivência.

Têm-se observado em áreas de reflorestamento com espécies nativas e/ou alienígenas dois resultados distintos. O plantio de eucaliptos e pinos para uso comercial e industrial cobriram áreas contínuas, auxiliaram na retenção parcial de águas pluviais, sombrearam o terreno, mas o esterilizaram atraindo pouca diversidade de vidas que nessas terras virgens viviam. Esse tipo de reflorestamento altera o ecossistema original. Os benefícios podem ser econômicos, mas não essencialmente ecológicos.

O plantio de mudas diversificadas, nativas ou alienígenas, enfrenta algumas adversidades e nem sempre responde às expectativas dos reflorestadores quanto ao desenvolvimento das plantas e ao tempo de adaptação delas ao novo lar. A preparação de mudas se dá em ambiente artificial, previamente preparado, com técnicas de adubação e controle das condições ambientais favoráveis ao crescimento. O solo degradado que vai receber essas mudas bem alimentadas não apresenta as mesmas condições do ambiente artificial. O oferecimento de água e de nutrientes às mudas transplantadas não se repetirá com a mesma regularidade e intensidade nos novos procedimentos.

As mudas replantadas se ressentem das condições de que gozavam no berçário da estufa. Nasceram e prosperaram, durante meses, socialmente integradas na comunidade artificial. Com o transplante são individualizadas e separadas do convívio vegetal em que se desenvolveram. Seus vizinhos são desconhecidos e nem sempre dispostos ao diálogo vegetal.  A hostilidade invisível do solo, a presença de outros componentes da biodiversidade, como predadores vegetais (arbustos mais competitivos) e animais (formigas, cupins, roedores) podem dificultar o desenvolvimento dos novos habitantes. O controle dessas adversidades, quando a extensão da área é grande, se torna difícil e o tempo da regeneração e da integração de novos habitantes vegetais nem sempre é previsível. Agro é paciência e constância.

A adaptação das mudas ao novo solo, às características vegetais estabelecidas do ambiente desconhecido, às condições diferentes do clima vigente na área degradada, exigirá delas o consumo diário de energias acumuladas durante a primeira fase de crescimento. A sociabilidade compartilhada no viveiro se reduz à individualidade despida e solitária diante de inumeráveis vizinhos desconhecidos. As reações mais enérgicas da muda transplantada são gastas para sobreviver com alimentos diversificados que as raízes possam achar em sua nova aventura subterrânea.

As facilidades anteriores para transformar os ingredientes brutos em açúcares, graças à água oportuna e adequada então recebida, já não existem nas mesmas proporções e horários. O ecossistema artificial socializado se rompe para jovens plantas que enfrentam outro ecossistema, onde a luta pela sobrevivência é individualizada. A resistência do ambiente para recompor as condições ecossistêmicas anteriores à degradação se prolonga por anos ou décadas. O tempo da natureza não é o tempo de horário marcado. As adversidades que atingem as novas habitantes se agravam em face da competição vegetal, pois todas as plantas comem na mesma mesa armada com iguarias dispersas e em estado bruto. Este conflito vegetal entre os habitantes alienígenas transplantados e a organização do ambiente estabelecido pode se prolongar no tempo e até levá-los ao definhamento.

A aceitação ou rejeição às imigrantes inexperientes, manifestadas pela vegetação estabelecida e experiente, são comportamentos que exigem do transplantador percepção e cuidados, conhecimento e assistência, para integrar as novas plantas à organização social e vegetal do ecossistema alterado. A regeneração espontânea de um ecossistema é uma função orgânica estrutural permanente. Qualquer intervenção de caráter auxiliar há de colaborar com as energias do processo natural da auto-organização do ecossistema.

Um plano técnico de plantio impositivo rompe e altera a estrutura de relacionamento de um ecossistema em curso há milhares de anos. Um ecossistema pode ter sido alterado por diferentes fenômenos ou intervenções ─ desmatamento, queimadas, métodos de produção inadequados. É prudente, ao traçar um plano de reflorestamento, conhecer a história do ecossistema degradado. Este ecossistema está vivo e vem continuamente tomando medidas orgânicas para se recompor lentamente e dar guarida à biodiversidade que reflete sua identidade local e regional.

Há um diálogo silencioso e constante, no ecossistema, entre a experiência da comunidade arbórea estabelecida e a inexperiência das individualidades introduzidas, ainda infantes, abandonadas à própria sorte. O tempo será lento para a restauração do ecossistema. Os humores climáticos ao longo dos dias e das estações se revelam durante os períodos diurnos e noturnos. Dependem dos ventos e das chuvas e não têm compromissos com os planos humanos de intervenção utilitária nos ecossistemas para satisfazer necessidades e interesses econômicos. A espécie sapiente é a parte populacional menor da biodiversidade, mas importante nos resultados de suas ações e interações com o ecossistema.

Um dos aspectos determinantes do comportamento humano, no âmbito da biodiversidade, se refere ao conceito de sujeito e objeto. A interação e a interdependência dos seres vivos refletem a linha existencial que une os sujeitos e determinam sua sobrevivência e reprodução. Todos os seres vivos têm identidade. São sujeitos pertencentes a um ecossistema e não podem ser tratados como simples objetos pela espécie humana. A interação e a interdependência fazem parte do princípio da precaução que orienta inteligentemente as relações da espécie humana com todos os componentes da biodiversidade. 

O princípio da precaução é um princípio moral e político que determina que se uma ação pode originar um dano irreversível público ou ambiental, na ausência de consenso cientifico irrefutável, o ônus da prova encontra-se do lado de quem pretende praticar o ato ou ação que pode vir a causar o dano. (O princípio da precaução no Direito Ambiental)

 

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