terça-feira, 26 de abril de 2022

CANÇÃO A MÁRIO

 

CANÇÃO A MARIO

 

Mário,

Deitado ao pé da mesa,

Espera, dorme, ronca.

Chegou ao Sítio das Neves, dado,

Gostou, ficou.

Sem documentos

Não entrou no avião

Que levou seus tutores

Para o exterior.

Sem data de nascimento.

Filho de mãe solteira

Em situação de rua.

Já era maduro em 2013.

Cidadão honorário,

De raça indefinida.

Mário, cabeleira preta,

Só não fala,

Mas distingue o idioma

Do Lácio e de Suomi-Lapônia.

Baixa a cabeça

Ao severo não!

Sacode o rabo e sorri

Ao ver o prato da ração.

Escuta atento, vê no escuro,

Ladra, não tolera quatis

Que chupam jacas

E dormem nas jaqueiras.

Mário é tetraplégico

Doença incurável,

Mas não mata.

Mário tem duas casas

Come nas duas

Se arrasta de uma a outra.

Mário é feliz

Não recusa comida,

Cumpre seu dever

Late sem pedir identidade

Do indivíduo estranho.

Se errou pede desculpas,

Sacode o rabo

E cheira o pé do visitante.

Mário é imortal

Da Academia Canina Ladrante.

Enterrou Betinho

Bem mais novo

Que morreu subitamente.

Tem ciúme de Manteiga

Seu companheiro de caserna.

Não gerou filhos.

Ama Lauro, um gato gay,

Que o beija declaradamente.

Tolera Jênifer, mãe de Lauro.

Lamenta, cabeça baixa,

Sua incontinência dupla.

Já não levanta a perna

Para marcar território

No tronco da cajazeira.

Pede desculpas

Com olhar conformado

A quem recolhe seus restos

E seca o chão da varanda.

Mário, um ser sociável,

Um amigo imortal.

 

26.4.2022

 

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