quarta-feira, 23 de setembro de 2020

ICARTAS DA PRISÃO - IGNORÂNCIA

 

IGNORÂNCIA

Amigos,

A pandemia revelou minha generalizada ignorância sobre os mais variados temas. É verdade que, em matéria de coronavírus, literalmente todos: médicos, políticos, filósofos, teólogos ignoravam o bichinho da gripezinha. Ninguém sabia o que era, de onde veio, se do morcego, da girafa ou do pandolino (tatu) e aonde ia. Mortes, covas em série, enterros apressados, choros à distância foram realidades tão incômodas que os do andar de cima preferiram ignorá-las e negá-las.

A novíssima linguagem dos aplicativos digitais é a mais moderna tortura mental. Internará  a espécie humana no manicômio planetário. Levei três dias de pesadelo para achar os números necessários, nos sites do Ibraim e do Ibama, para validação de informações que ofereci à Receita Federal referentes ao pagamento de dez reais do Imposto Territorial Rural anual.  

Confesso envergonhado que não sabia que o planeta Terra é plano. Mesmo com a autoridade científica dos planistas, mantenho minha tênue e já ultrapassada convicção de um planeta redondo ou quase.

Vivo num país que abriga as mais variadas nuances religiosas, de extração cristã, anunciando milagres pelas TV’s e rádios. Confesso que ignoro a existência de adeptos da Cristofobia, religião denunciada pelo Presidente da República do Brasil, na 75a Assembleia da ONU, 2020. Quantos cristófobos existem neste país demonofóbico?

Inesperadamente, recebi uma ligação intersideral de Millôr Fernandes que habita, há alguns anos, uma avenida virtual na belíssima e fosfina Vênus. Seguindo as indicações do filósofo humorista, fui à estante de meus livros. Ler é indicado aos ignorantes. Em geral, os sábios chegam a tal estágio por aceitarem humildemente sua ignorância. Todo livro é a confissão humilde do escritor ao relatar a experiência de sua trágica ignorância.

Foi essa lucidez que inspirou Millôr a me revelar suas descobertas metafísicas no livro Lições de um ignorante (Ed. Paz e Terra, 1977). São apenas 43 lições. Fáceis de assimilar. Uma por dia. Ao final de gostosas gargalhadas, já me sentia um erudito, quase sábio.

Posso, agora, compreender a linguagem cifrada da alta cúpula do governo, dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado e, especialmente, a dos ministros do STF. Num país cronicamente ameaçado pelo comunismo, “os homens públicos falam sem nenhuma propriedade”, disse-me o mestre. Percebo também com mais clareza a acusação de pedófilo feita ao lobo-mau que devorou Chapeuzinho Vermelho. Meninas não devem andar sozinhas pelas florestas urbanas.

Indico algumas das Lições de um ignorante que me ajudaram a compreender o novo Brasil, Pátria Amada.

- Num acesso de ignorância eu acreditava “nas crônicas oficiais que mostram um país com uma sociedade absolutamente sem classe”. (Brasil, Pais Comunista)

- Colecionei algumas frases ditas pelo presidente da república: E daí? Quem manda é a caneta Bic... É uma gripezinha... Não sou coveiro. Ficar em casa é para fracos. Brasil é um exemplo de cuidados ambientais. Estamos vencendo a pandemia. (Frases que ficam e que vão)

- Aprendi que a regra do indiciado é negar os fatos até a última instância do trânsito em julgado. (A máquina da justiça e suas peças principais)

 -“O Brasil é maior do que os menores e menor do que os maiores. É o País do Futuro.(O Brasil)

- Na última lição (Resumo – 1963), olhando as árvores pela janela de minha prisão, no silêncio metafísico de meu isolamento, cumprindo a sentença do juiz invisível, li o derradeiro conselho sábio de Millôr Fernandes aos ignorantes:

Estejam certos porém de que a Justiça será igual para todos”.

21.9.2020

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