HUMANIFESTO
-
REALIDADE
E MUDANÇAS CLIMÁTICAS -
Há
mais de 40 anos acompanho a regeneração vegetal de 70 hectares do bioma cerrado,
convivo com velhas árvores cheias de histórias milenares, extasio-me com
miríades de flores e frutos. Esta experiência me entusiasma a comprometer meus
contemporâneos a conhecer e compreender a natureza e o planeta que nos abriga.
Escrevi, nos últimos anos, diversos livros que expressam a generosa e também a
desastrosa relação da espécie humana com a natureza e a biodiversidade.
Este
HUMANIFESTO é uma voz singela que se une à de milhares de escritores, artistas
e cientistas na proteção dos elementos essenciais – árvores e água – que
sustentam todas as vidas no planeta verde.
Estamos
rodeados de realidade. Falta-nos, porém, a percepção dessa realidade. Ela
parece zombar de nossa cegueira e sonambulismo diante dos fatos. Vivemos numa
época em que a cegueira humana, causada pelo imediatismo consumista, impede de
reconhecer a realidade das mudanças climáticas, das alterações físicas
provocadas por fenômenos naturais e agravados pela múltipla ação trópica da
espécie humana (urbanização, indústria, produção de alimentos). A contaminação
espacial e planetária do solo e da água por elementos químicos e orgânicos e
pela superexploração e devastação das riquezas naturais afetam a vida humana e
a biodiversidade do planeta. As mudanças climáticas são irreversíveis. As que
aconteceram há bilhões de anos, as que estão acontecendo e as que virão nas
próximas décadas, ou nos séculos seguintes, fazem parte da história cósmica.
Alguns
aspectos que auxiliam a percepção da realidade:
1 O espaço físico do planeta Terra é limitado.
70%, água e 30%, terra. A espécie humana, no ano 1800, desfrutava de 19
hectares per capita. Em 2019, o espaço por habitante se reduziu a 2,7 hectares.
Nesse espaço de 20.700 metros quadrados, cabe a casa, o automóvel, a rodovia, o
estacionamento, o aeroporto, a estação ferroviária, a rodoviária, as árvores,
os pássaros, a horta, a água, a pluralidade de animais domésticos e os campos
de cereais e frutas.
A
população humana se espalhou por todas as regiões do planeta arrastando consigo
bilhões de animais domesticados que consomem grande parte dos cereais
produzidos. A sobrevivência da espécie humana conquistou maior longevidade e a
reprodução continua crescendo de maneira persistente. A ONU indica um
crescimento de 2.2% da população global, alcançando, em 2100, 11 bilhões de
habitantes no planeta. O impacto sobre a natureza, sobre o solo, sobre a água, mesmo
com todos os cuidados técnicos possíveis, afeta globalmente o planeta. O
consumo dos bens limitados, a extinção de florestas, e consequentemente de seus
hóspedes, a queima de combustível fóssil, o uso de pesticidas, a contaminação
dos rios e do ar tendem a aumentar com o crescimento do consumo de bens pela
população mundial. A extinção indiscriminada da biodiversidade trará
consequências desastrosas para a saúde dos seres vivos.
A distribuição da água (3% de água doce
do planeta) por pessoa reduziu-se de 5,2 bilhões de litros por habitante, em
1800, para 700 milhões de litros/hab, em 2019. Rios e lagos secaram em várias
regiões do planeta. Milhares de nascentes foram soterrados pela urbanização e
pela produção de alimentos. Os agrotóxicos e antibióticos contaminaram a maior
parte das águas superficiais. Grande quantidade de lixo polui solo, rios e
oceanos. Algumas geleiras, cujo degelo formava rios para irrigação na
agricultura, diminuem seu volume e, em poucas décadas, extensas regiões não
serão mais adequadas à produção de alimentos. Além do mais, as chuvas
irregulares e os fenômenos naturais extremos estão causando perdas materiais e de
vidas no campo e nas cidades.
Pouco sabemos da origem da vida no
planeta e da espécie humana e, menos ainda, do destino da vida e do universo.
Tudo o que a ciência nos diz é que o universo existe há bilhões e bilhões de
anos e que estamos rodando no espaço. As pesquisas científicas para conhecer o
universo requerem grandes somas de dinheiro, cujos resultados práticos
beneficiam a própria ciência e não atendem às necessidades da vida cotidiana de
quase metade da espécie humana.
A poluição sólida, líquida, aérea, dos
rios, dos oceanos e do solo é uma realidade explícita, visível e de difícil
controle, em razão da intensa produção de alimentos e do crescimento gigantesco
da urbanização, cobrindo áreas de proteção ambiental. Pássaros, peixes, animais
da selva, florestas e pessoas estão contaminadas. Sobrevivem as bactérias,
fungos e vírus para cooperar na extinção de milhões de espécies vivas.
6 Embora o uso de aparatos tecnológicos
mecânicos e da eletrônica seja de uso massivo, o domínio e o controle da
tecnologia estão em mãos de poucos anônimos que decidem como e quando usá-la. A
tecnologia reflete também o poder da minoria sobre a maioria.
7 As decisões financeiras para a produção de
bens e consumo estão concentradas em bancos centrais de países dominantes e de
empresas de capital multinacional a dominar todos os pregões das principais
bolsas de transferência de valores de muitos contribuintes de países
subdesenvolvidos às mãos de poucos acumuladores de benefícios e lucros
descabidos. A desigualdade pode ser configurada em três patamares: os que
sobrevivem com um dólar por dia; os que vivem com 10 dólares por dia; os que
vivem fartamente com 100 dólares por dia. No patamar de um dólar por dia, estão
os analfabetos, as baixas remunerações de trabalho e seus ocupantes usam as
poucas oportunidades para chegar aos dez dólares. As oportunidades crescem mais
velozmente nos patamares superiores. A velocidade no primeiro patamar é,
figuradamente, de um km/h para alcançar à de dez km/h, e esta acelera para
chegar próxima ao patamar de 100 km/h.
8 O desenvolvimento, a pedagogia e a
metodologia da cultura e da educação se apoderaram da espécie humana em todos
os países para subsidiar e compartilhar mítica e ilusoriamente os benefícios
oferecidos pela guerra econômica e pela aventura do consumo de bens necessários
e supérfluos. Gera-se uma identidade igualitária falsa estimulando o acesso de
ricos e pobres aos mesmos shoppings e supermercados. A inversão dos patamares
por meio de políticas de redistribuição das oportunidades é possível com
investimentos prioritários no patamar inferior. O aumento de oportunidades, de
produção e consumo com o crescimento persistente da população dependerá também
das mudanças climáticas cujos fenômenos extremos afetam o planeta de maneira
irregular e imprevisível.
As reações diante da real probabilidade
de extinção em massa de espécies vivas se fazem por grupos minoritários,
disseminados no planeta, com um novo olhar sobre a natureza, sobre a vida e a
biodiversidade. As energias politicas das administrações públicas do Estado não
se dirigem convincentemente para as reais consequências desastrosas sobre a
população. Produzir e consumir são o binômio das prioridades econômicas dos
gestores públicos.
Gritos revolucionários para proteção e
defesa de mananciais, de biomas, de bosques e florestas se espalham ainda
imprecisos e pouco ouvidos, especialmente em apoio a sistemas e processos de
regeneração lenta de áreas degradadas e da biodiversidade. Percebe-se claramente, na ação humana sobre a
natureza, que o tempo da destruição de vidas é curto e o da regeneração da
biodiversidade é pacientemente longo. O conceito de regeneração se estende para
outras atividades além da recomposição vegetal de uma área. A regeneração é
lenta também para ações e procedimentos que visam a reorganizar o tecido
social, as decisões econômicas e a mudança de políticas públicas. A regeneração
da economia, diante de erros estruturais, de finanças combalidas, de consumo
incontrolável, das normas de convivência humana, das relações do homo sapiens com a natureza é lenta e
requer muitas décadas para reconquistar o equilíbrio rompido.
11)
A realidade é que grande parte das
florestas originais foi destruída. Com a extinção de florestas, com a
desertificação generalizada pela produção de alimentos, pela urbanização e pela
superpopulação mundial persistente, as evidências indicam impacto crescente
sobre todos os biomas e especialmente sobre o acesso à água. Cada dia mais a
recarga dos aquíferos e as nascentes de rios dependem da irregularidade das
chuvas.
12) O
decrescimento econômico, rumo ao crescimento zero do uso e consumo de bens
oferecidos pelo planeta, requer igualmente reduzir a zero o crescimento da
população humana. Infelizmente, o crescimento da população, nos moldes atuais,
conduz ao aumento de parte da reprodução animal, estimulada e domesticada. A
redução de rebanhos bovinos, ovinos, porcinos, muares e cavalares e de espaços
ocupados na produção de cereais e fibras cederia lugar às florestas e à
pluralidade de vidas nos campos e nas selvas.
13)
O que a espécie humana pode e faz é
consumir e eliminar o passado do planeta que a abriga. Como destruímos o
passado do planeta? Eliminamos mananciais que irrigavam amplas áreas em todos
os biomas. Arrasamos montanhas para desentranhar carvão, óleo das pedras para
queimá-lo, ouro, prata, diamantes para transformá-los em mercadoria provocadora
de guerras insensatas, pobreza, fome, desigualdade entre os integrantes da
mesma espécie humana. Cortamos e queimamos árvores garantidoras da paz
ambiental e dos cursos de água. Falsificamos a história do planeta e seus
feitos ocorridos ao longo de bilhões de anos. Deixaremos um planeta arrasado,
sem passado, para nossos descendentes.
14)
A queima dos fósseis – óleo das pedras –
petróleo – que é senão a destruição do milenar passado do planeta? A eliminação
gradativa e segura de imensas jazidas do passado planetário foi estatuída pela
espécie humana como fator de progresso e felicidade para seu exclusivo
benefício. Vivemos à custa do riquíssimo passado e do depauperado presente do
planeta sem prever o futuro dos que nele sobreviverão. Esta constatação foi um
tremendo tapa no meu rosto ao saber que bilhões de anos foram necessários para
conformar o presente-passado com inimagináveis perspectivas futuras.
15)
O clamor de crianças e jovens, em defesa
da vida e da biodiversidade no planeta, reforça a esperança de se tomarem
decisões sensatas no campo econômico, politico, social e cultural adequadas às
novas gerações que viverão nas décadas e nos séculos vindouros.
24.10.2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário