quarta-feira, 17 de julho de 2019

CUSTO DA REGENERAÇÃO



CUSTO DA REGENERAÇÃO


Nestes dias, o governo brasileiro discute se mantém ou não o acordo com a Noruega e Alemanha que oferecem alguns bilhões de reais ao Fundo da Amazônia destinados à preservação das florestas originais.
A floresta amazônica, antes de pertencer ao Brasil, à Colômbia e ao Peru, faz parte do planeta Terra, assim como as florestas da Europa, da Ásia e da África devastadas pela espécie humana nos últimos 15 anos.  No Brasil, o contínuo desmatamento da Amazônia empobrecerá o planeta e extinguirá boa parte da biodiversidade necessária à reprodução da vida. Diga-se o mesmo de todos os demais biomas que formam o ambiente natural do planeta.
A preservação da biodiversidade e o lento processo de regeneração, frente à exploração destruidora da espécie humana para a própria sobrevivência, têm um alto custo de reposição e requerem um tempo muito maior ao da destruição. Destrói-se em meia-hora o que a natureza leva anos para regenerar. É comum dizer-se que para cada Real gasto em devastar são necessários cinco ou mais para recompor o tecido da natureza afetada. Entram, então, dois elementos fundamentais no processo de regeneração: custo e tempo.
Como calcular o custo e determinar previamente o tempo, ambos necessários para a lenta regeneração vegetal e recomposição da biodiversidade de um bioma?
Relato, neste documento, minha experiência de 45 anos acompanhando o lento processo de regeneração vegetal e recomposição da biodiversidade de uma área de 70 hectares (700.000 metros quadrados).
Nessas quatro décadas e com o dinheiro invertido, pude conhecer, compreender e colaborar com o processo lento de regeneração. As condições climáticas são determinantes para a regeneração e para empreender ações cooperantes.
Os primeiros dez anos de contato com a área devastada foram de aprendizagem, de observação, de choque de realidade. O ponto crucial, nesse período, foi perceber as reações da biodiversidade frente às decisões culturais e tradicionais da ação humana dirigidas a explorar a oferta da natureza: solo, água, madeiras, aves e animais.
Os resultados catastróficos decorrentes de queimadas, do desmatamento, da introdução de animais vorazes se revelaram na redução da água, na ineficiente infiltração das águas pluviais, na desertificação estrutural da área. Diante desses efeitos nefastos, nos anos seguintes, interrompeu-se essa corrente antiecológica. Impediram-se queimadas com aceiros protetores e pediu-se, para isso, a colaboração de vizinhos. As áreas de possíveis mananciais foram protegidas e consideradas indevassáveis. Um sistema planificado de contenção de águas da chuva foi implantado mediante centenas de barramentos consecutivos nos canais de esgotamento natural e grotas ao longo e largo da área. Retiraram-se os animais domésticos de grande e médio porte (vacas e ovelhas) considerados predadores eficazes da vegetação.
Impedidas as queimadas, e graças ao sistema de contenção de águas pluviais, o período de chuvas sobre a área pacificada fortaleceu, nos primeiros vinte anos, o colchão de gramíneas, multiplicou e expandiu a vegetação.
Auxiliado pelas barragens de contenção, um novo sistema de captação e detenção de águas da chuva se estabeleceu com a expansão da população vegetal.
Passadas mais de quatro décadas, o processo de regeneração vegetal se consolidou. Voltaram os pássaros, aninharam-se e se multiplicaram em mais de uma centena de espécies graças ao aumento da alimentação provinda de frutas, sementes e multiplicidade de insetos. Animais que haviam perdido seu habitat, como gatos selvagens, coelhos, raposas, quatis, saguis, tatupebas, mão-pelada, macaco-prego se refugiaram nas matas ciliares e/ou sobre árvores frutíferas. Tucanos, jacus, curicacas pernoitam sem medo sobre as grandes árvores próximas às casas de moradia e, ao mesmo tempo, compartem a comida de patos e galinhas..
Espécies arbóreas como cajazeiras, jacarandás, jatobás, aroeiras, sucupiras, embiruçus, angicos, mama-de-porca, copaíbas, guapevas, pequizeiros, ingazeiras, jequitibás e outras se agigantaram e deram um ar de floresta especialmente nas partes baixas do Sítio. A formação de húmus resultante do apodrecimento de folhas e gramíneas aumentou e melhorou a oferta alimentar com apreciáveis resultados no desenvolvimento vegetal.
Um passo importante na recuperação regenerativa do bioma é a integração de todos os componentes da biodiversidade, incluído o predador principal – o homo sapiens.
Novas decisões adequadas à regeneração do bioma, novos comportamentos inteligentes e apropriados derivam dessa compreensão da biodiversidade integrada.
Um novo período de paz vegetal, de tranquilidade e silêncio se consolida pela força do armistício que sinaliza o fim da guerra entre o ser humano e a natureza.
Esboça-se um novo olhar sobre a natureza.
O custo da regeneração se compõe de tempo, de compreensão do sistema natural, de colaboração de todos os componentes da biodiversidade, de recursos técnicos, cognitivos e financeiros.
As peças do orçamento aqui apresentado, com as correções de lei, funcionam há quarenta e cinco anos.

            ORÇAMENTO ANUAL - 2018
ITENS
VALOR R$
Administração
19.882,00
Impostos
5.103,00
Limpeza, coleta de lixo
4.860,00
Manutenção/barragens 60h x 20,00 reais

1.200,00
Aceiro anual
2.000,00
Desobstrução/trilhas, córregos.20h x  20,00 reais

400,00
Transporte/combustível
5.760,00
TOTAL
39.305,00
Custo por hectare
559,90

NOTA:O investimento realizado para acompanhar o processo de regeneração e  preservação é de origem particular, sem apoio de órgãos oficiais ou outras fontes.
Área do Sítio – 70 hectares – 700.000 m2
No ano 2018, a área do Sítio recebeu 1.700 mm de chuva, somando 1 bilhão, 190 milhões de litros de água, com aproximadamente 75% retidos na vegetação e barramentos, facilitando a recarga dos aquíferos e consolidando os mananciais.

(Informações mais detalhadas sobre o paciente esforço da natureza em encontrar o tempo de sua regeneração encontram-se em alguns livros que publiquei sobre o tema: A saga de um Sítio, O retorno das águas, As árvores falam, Ecossociologia, Reencontro – o que aprendi da natureza, Uma obra em verde. Ecologia).

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