MEUS
85 ANOS
Nasci
no dia 28 de junho de 1934, quinta-feira, às seis horas da manhã.
Aos dez anos, meus pais, orientados por
frades capuchinos, decidiram me enviar ao seminário, uma espécie da fábrica de
padres.
Ali estudei humanidades, filosofia e
teologia. Na Universidade Federal do RS, cursei Ciências Sociais.
Com 24 anos fui ordenado sacerdote da
Igreja Católica.
Durante sete anos repeti aos fieis os dogmas
católicos. A uns, apontei o céu, a outros, o inferno. Participei ativamente de
movimentos políticos. Aos 31 anos, fui tomado por dúvidas metafísicas com
poucas respostas.
Os dias e os anos passavam e percebi que
devia enfrentar decididamente os desafios da liberdade de pensar.
Estando em Paris, como bolsista do
governo francês, aproveitei do ambiente ideal para pôr em questão minha fé, meu
sacerdócio, meu contrato com a Igreja Católica. Em 1968, por meio de carta
dirigida aos superiores imediatos, comuniquei meu desligamento da Ordem dos
Capuchinhos e da Igreja Católica. Pelas normas do Direito Canônico, tornei-me
apóstata e livre.
O Movimento de Maio/68 contribuiu para
um novo olhar sobre o universo e sobre a trajetória da espécie humana.
Esta
trajetória está contada em meus livros -
O
HOMEM PROIBIDO e NO MEIO DO CAMINHO.
Nessa encruzilhada, o destino pôs, no
outro lado da rua, a jornalista finlandesa Hilkka Mäki, vinda dos extremos da
Europa, para juntos construirmos a casinha pequenina onde o amor se refugia,
com a alegria da filha Aino Alexandra e das netas Luiza e Laura.
No meio da vida, com um novo olhar sobre
a natureza, encontrei o significado da vida, da biodiversidade, da convivência
humana.
Hoje, aos 85 anos, alegro-me em dizer
que mais da metade desse tempo foi dedicada a ouvir e compreender os gritos de
uma área de Cerrado, no Distrito Federal, devastada pela mão humana.
Esses anos marcaram meu reencontro com a
natureza. Mostraram-me, claramente, que o tempo da destruição de vidas é curto
e o da regeneração e convivência é pacientemente longo.
Compreendi, nesse tempo, o milagre da
vida no planeta. Milagre, porque a vida é inexplicável.
Compreendi a linguagem das árvores e sua
estreita ligação com a água. Aprendi a pôr os pés na água e os olhos no céu de Aldebarã.
Compreendi que somos água e que sou água
que fala.
Compreendi que as árvores falam, os
pássaros falam, os animais falam, os insetos falam.
Compreendi que faço parte da
biodiversidade e que, entre os predadores saudáveis no âmbito na natureza, a
espécie humana é a mais eficaz e também a mais perigosa.
Compreendi, nesse tempo, que toda vida
morre e toda espécie viva tende a desaparecer. Não desejo que a espécie humana
desapareça como os tiranossauros.
É lamentável que a espécie humana
acelere a extinção de milhões de espécies e o próprio desaparecimento.
Compreendi, nesses quarenta e quatro
anos da lenta regeneração da Biocomunidade do Sítio das Neves, que é
necessário, para retardar nosso desaparecimento, um novo olhar sobre a
natureza.
Esse novo olhar sobre a natureza está
sendo clamado pelas crianças e jovens do planeta. Eles imploram à geração atual
que mude seu comportamento demolidor.
Venho, neste dia, dizer aos que vivem o
milagre da vida que é necessário um novo olhar sobre a natureza para salvar a
biodiversidade e salvar a espécie humana.
A vida é um milagre a ser preservado.
A Biocomunidade do Sítio das Neves é uma
congregação de vidas que sustentam o milagre.
Meu sonho, revelado a Aldebarã, é que as
crianças e os jovens do planeta Terra, um dia, se levantem, alcem os braços,
cerquem as florestas, as nascentes de água, os pequenos córregos e impeçam as
derrubadas, os incêndios, e defendam todos os animais e aves que a natureza
criou.
Sonho com o dia em que nenhuma árvore
mais será derrubada e que todas se encham de vidas.
Por isso, concluo:
Sou a pedra, sou a terra,
Sou o arbusto, sou a planta,
Sou a flor, a íris, a caliandra,
Sou a aranha e a ameba,
Sou a serpente e o tatupeba
Sou o pântano e o olho d’água,
Sou o fruto da mangaba,
Do pequi e do bacupari,
Sou a ave, o gavião, o sabiá,
Sou o peixe, a tartaruga, o caracol,
Sou o gato, o cão, o rato,
Sou o cordeiro, sou o lobo-guará,
Sou você, sou o outro,
E ambos somos todos,
E todos somos a vida
Para um canto universal.
28.6.2019
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