BRASÍLIA
AOS 59 ANOS ( Artigo não publicado pelo Correio Braziliense)
Eugênio
Giovenardi, sociólogo e escritor, membro da Academia de Letras do Brasil e do
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.
“A
única defesa para Brasília está na preservação do seu Plano Piloto. [...]
Considero indispensável uma barreira às arremetidas demolidoras que já se
anunciam vigorosas” (Bilhete de Juscelino Kubitschek, em 15.6.1960, a Rodrigo
de Mello Franco de Almeida, Presidente do IPHAN).
Brasília ainda é administrável?
Aos 59 anos, Brasília dá sinais de cansaço. Clama por
carinho humano dos cidadãos e dos administradores públicos. O Projeto Piloto de
Lucio Costa com suas quatro escalas: residencial, gregária, monumental e
bucólica ficou confinado nos limites da área que acolheu os serviços burocráticos
do Estado. A nova capital foi concebida para plantar um novo país no coração
geográfico do Brasil.
A concepção das superquadras, dos clubes de vizinhança
e de convivência, das escolas localizadas ao pé das crianças, do gabarito
modesto de seis andares que respeitam os horizontes, da concentração dos
serviços públicos, da amplidão dos espaços sob um céu generoso, das amplas e
arejadas avenidas, não foi além da área privilegiada do Plano Piloto. Nunca
chegou nem chegará às cidades satélites transformadas em aviários humanos ou
dormitórios de servidores públicos ou trabalhadores de empresas centralizadas
na área do Plano Piloto. Fora dos limites do Projeto Lucio Costa, Brasília se
“ordinarizou”.
A migração desenfreada, nesse meio século, surpreendeu
os administradores, arquitetos, engenheiros e planificadores. A capacidade
instalada para administrar grandes populações naufragou diante da ocupação de
centenas de milhares de pessoas que acudiam ao Planalto Central. Ocupamos
cegamente os espaços
Aos 59 anos, Brasília recebe, anualmente, 40 mil novos
habitantes e abriga, hoje, mais de três milhões de pessoas, acolitadas por um
milhão e oitocentos mil automóveis. O carro particular impôs à cidade um
desenho dominado por avenidas, viadutos, retornos, pontes. Interditaram-se os
caminhos de pedestres. Até o Parque da Cidade se transformou em pistas de
corrida, diferentemente do Jardim de Luxemburgo e outros pelo mundo.
A amplidão dos espaços concebidos sugeria um modelo de
transporte moderno, universalizado, rápido, capaz de unir todos os pontos
habitados ao mercado dos serviços públicos. O transporte público poderia ser
complementado por ciclovias. Embora se tenha
dado importância ao tráfego de bicicletas, as ciclovias oferecidas têm sérios
obstáculos para a mobilização de cidadãos, interrompidas por longos trechos e
com travessias de risco e mal sinalizadas.
Uma cidade (urbs) não é apenas um conjunto
imobiliário, ainda que arquitetonicamente belo, majestoso e empolgante. A civitas é uma praça de convivência de
seres inteligentes, (ágora para os atenienses) onde as pessoas se encontram,
dialogam, discutem, trocam, propõem e expõem suas riquezas interiores, seus
pensamentos, seus sentimentos, sua vida.
A cidade deve ser um elo entre as pessoas, as árvores,
os pássaros, os animais, todos hóspedes do mesmo bioma. O bioma Cerrado, no
qual foi plantada a nova capital do país, foi furiosamente atacado pela
violência imobiliária, pela desídia administrativa, pela ignorância coletiva.
Atrasamos, ou quase impedimos o desenvolvimento das energias regenerativas do
Cerrado. A regeneração vegetal, a volta de espécies da fauna, os pássaros e
insetos polinizadores que contribuem para o reflorestamento precisam de décadas
de paciência e silêncio para
restabelecer o sistema da biodiversidade. O tempo da natureza não é o
tempo do relógio econômico da exploração das riquezas naturais. A ocupação
criminosa dos espaços nativos torna extremamente difícil, senão impossível, a
regeneração do bioma Cerrado.
É motivo de esperança que, em vários países, os jovens
compreenderam que é preciso ter um novo olhar sobre a natureza. Em preparação aos 60 anos de Brasília, é
importante que toda a população brasiliense, estimulada pelos jovens, pressione
fortemente os planejadores, os administradores e representantes legislativos
dos cidadãos a propor e realizar ações que favoreçam, nos próximos 50 anos, a
regeneração necessária do Cerrado do Distrito Federal para sobrepor-se ao
deserto urbano.
21.4.2019
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