UM SISTEMA DIFERENTE
DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS
É POSSÍVEL.
Visitei, há dias, a Fazenda Recreio, parte sediada no
Distrito Federal e parte no estado de Goiás. A área de 1.700 hectares integra
um surpreendentemente belo e majestoso contorno geográfico do Planalto Central.
A Fazenda Recreio abriga 70 mil árvores plantadas tecnicamente em fileiras na
direção leste/oeste (eucalipto, mogno africano, acácia, entre outras),
consorciadas com pastagens que se beneficiam da sombra e da água retida pelo
sistema radicular. As nascentes de água estão protegidas por matas nativas
conservadas e por plantio de árvores, formando um sistema hídrico inteligente,
solidificado pelo Córrego Cachoeirinha que atravessa a Fazenda e pelo Rio São Bartolomeu
a correr pela divisa.
Uma lagoa natural resiste aos meses de estiagem,
dessedenta e alimenta um plantel de vacas prenhes e reúne centenas de garças
brancas, tuiuiús, marrecos e um sem número de pássaros.
Um lago artificial de cinco hectares (50 mil metros2,
aproximadamente, 20,0 bilhões de litros) abastece a fazenda por roda d’água,
corta a monotonia das coxilhas, enche de graça o ambiente e atrai bichos, como
as capivaras, que ali se multiplicam a seu bel-prazer.
A Fazenda Recreio hospeda 1.500 cabeças de gado que
pastejam parcialmente sob as árvores que reflorestaram grande parte da área.
Desperta a atenção do visitante um cuidadoso consórcio: árvores, água, pasto e
sombra que determinam um diferente sistema de produção de alimentos, de respeito
à vida nativa, que mantêm o sentido essencialmente ecológico da atividade
produtiva.
A pergunta, ao analisar os modelos de produção
agrícola e industrial, é: quando um sistema de produção é ecológico? A meu ver,
a resposta está no equilíbrio entre a oferta e o uso de ingredientes naturais
de um bioma, especialmente terra e água. O equilíbrio entre oferta e uso dos
elementos necessários à atividade produtiva é o ponto crucial para garantir o
ritmo natural da regeneração do bioma e da biota.
O critério ecológico, então, a ser usado para avaliar
um sistema produtivo – ou ecologia da produção - é o equilíbrio entre a oferta
e o uso dos elementos naturais de um bioma e não o lucro ou os benefícios
auferidos da atividade econômica exploratória derivados da gestão eficiente ou competitiva dos agentes administrativos. A intenção, a atitude e as ações
para o uso dos elementos com o fim de manter o equilíbrio e garantir a
regeneração ecológica de um bioma diferem das técnicas de exploração
degenerativa para obter benefícios econômicos, de curto ou longo termo,
compartilhados ou distribuídos a uma população. Os fins não justificam os
meios.
Alguns dados serão de utilidade para discutir o
sistema de equilíbrio ecológico da Fazenda Recreio, podendo-se aplicar a outras
atividades agrícolas.
Plantio
sistemático de árvores. Além da vegetação nativa ao longo dos cursos de água
e capões dispersos na área, houve um acréscimo, até o presente, de 70.000
árvores de diferentes espécies: ipês, mogno, pau-ferro, acácias, eucaliptos,
entre outras.
Retenção de
água e evaporação. A população arbórea de 70 mil unidades, agregada ao
espaço, cumpre importantes funções durante 24 horas por dia, além da captação
de águas da chuva durante o período chamado invernal. Uma árvore do porte das
que existem na Fazenda Recreio mantém um volume mínimo diário permanente de
água e saudável evaporação de 100 litros, equivalendo a 7 (sete) milhões de
litros de água/dia, correspondendo a 27,55 bilhões de litros no ano.
Captação de
águas da chuva. Calcula-se que uma área vegetada em toda sua extensão
capta e detém até 25% das águas da chuva. A precipitação média, conforme dados
da leitura do pluviômetro da Fazenda Recreio, é de 1.200mm ou 1.200 litros de
água por m2. O volume de água anual recebido por essa área é de 20,4
bilhões de litros (1.200 X 17.000.000m2), correspondendo a uma média
diária de 55,0 milhões de litros ou 3,23 litros por m2. Um quarto do
volume total da precipitação, 5,1 bilhões de litros, é retido pelas árvores
durante o período chuvoso e pela vegetação de gramíneas que se estende sobre
toda a área. As gramíneas formam um colchão espeço e, consorciadas com as
plantas, contribuem fortemente para a recarga dos aquíferos. Não menos
importantes são os capões e as amplas matas ciliares nativas que, além de
captar boa parte da água pluvial, protegem as nascentes, os córregos e o Rio
São Bartolomeu.
Boi e água. Cálculos
elaborados por especialistas, publicados em revistas e livros, indicam que um
quilo de carcaça bovina consome 15.000 litros de água ao longo de seu período
de engorde que, nos melhores casos, é de quatro anos. Se esses dados, aceitos
pela literatura especializada, podem ser utilizados, um bovino que atinge 400
kg ao longo de quatro (04) anos, terá consumido o equivalente a seis milhões de
litros de água, com média anual de 1,5 milhão de litros. O rebanho de 1.500
bois, ao longo dos quatro anos, terá consumido 9,0 bilhões de litros, com média
anual de 2,25 bilhões de litros, ou 6,5 milhões de litros dia.
Ao se comparar o volume do líquido retido pelo amplo,
e eficiente sistema de captação e detenção de água composto pelo consórcio
árvores, gramíneas e mananciais, com o consumo direto e indireto da população
bovina manejada com rotação de pastagens, a Fazenda Recreio possui um
permanente crédito de água para consumo de todos os hóspedes nativos, vegetais
e animais e da população humana encarregada da gestão administrativa. A área,
manejada com esse sistema, contribui para a manutenção dos fluxos de água com
os excedentes que se infiltram no solo.
Em resumo, não computada a reserva do lago de 50 mil m2,
há uma oferta de água diária constituída pelo consórcio árvores, gramíneas,
retenção de águas pluviais num volume diário de 62,0 milhões de litros e uma
demanda diária da população bovina de 6,5 milhões de litros.
Este ensaio não pretende justificar nem defender o
produto boi. Buscou-se estabelecer um critério de equilíbrio ecológico na
produção de qualquer alimento baseado no uso racional da água, na capacidade de
regeneração do bioma do qual se retiram provisoriamente os elementos
necessários à formação ou construção de um produto. O critério deve se aplicar
à produção de cana-de-açúcar, à soja, ao milho, ao arroz e aos processos
industriais que afetam o bioma na extração de minerais, no processamento e no
uso final do produto.
17.9.2016
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