Há tantas verdades inocentes aprisionadas e tantos supostos
libertadores que as descarregam ininterruptamente sobre nossas cabeças. Somos
bombardeados a todo o momento do dia e da noite com promessas, anúncios,
oportunidades, sucessos, resultados espetaculares, medidas estimulantes ao
consumo e pistas para conquistar a felicidade possível, completa, imediata,
também dita qualidade de vida. São tentativas em forma de verdades segundo a
autoridade que as manifesta.
O ministro da fazenda prevê resultados de suas decisões para
daqui a alguns meses. Farão a economia menos pífia, menos monótona. Nós
acreditamos. Os analistas acreditam. Os empresários fazem esforço para
acreditar. Os céticos e a oposição interpretam que todas essas aparições das
vestais da fazenda são para garantir a reeleição da senhora Rousseff. É
economia ou política?
Em todo o caso, acredita-se no que é conveniente. Segundo
Francis Bacon (1620), “...um homem acredita mais facilmente no que gostaria que
fosse verdade”. O anunciado recebe o tom e a consistência da verdade. E, mais
que isso, da verdade econômica. Sabemos, por intuição, que o grau de verdade em
economia, numa escala de 0 a 10, mal passa do 0,9.
Jornalistas e analistas de várias especialidades acadêmicas,
nesses dias, em todos os canais de TV e emissoras de rádio repetiram os
resultados estatísticos de uma pesquisa do IBGE sobre os gastos e investimentos
das famílias brasileiras. O tom dos comentários era respeitoso, quase
religioso, devoto, saído de bocas e gestos de um crente. Tinha-se a impressão de
uma declaração singular de um dogma, de uma verdade absoluta. Uma verdade desmembrada
em percentuais. Portanto, uma verdade relativa. Tantos% investem em saúde,
tantos%, em segurança, um menor-tanto%, em educação.
Em nenhum momento se mostraram o método empregado na
pesquisa ou o tipo de pergunta que se fez aos entrevistados. Os tantos% que
investiram em saúde, soube-se, compraram ou ampliaram os contratos de seguro
com empresas do ramo. Investir em saúde, portanto, não é comer melhor, caminhar
pelos parques, respirar ar puro, fazer exercícios diários, cuidar da limpeza da
cidade para garantir água limpa, melhorar os cuidados da higiene pessoal e
social. Quem convenceu as famílias a investirem em convênios de saúde? Qual a
crítica que essas famílias fazem ao sistema desumano da medicina lucrativa,
terceirizada e elitizada?
Os tantos% que investem em segurança, isto é, em empresas de
vigilância, em alarmes, em grades e portões eletrônicos, em trancas elétricas nos
automóveis, em vidros a prova de bala ou em armas, aceitam que a sociedade viva
em estado de guerra civil. O exército pacifica os morros e favelas, isto é,
separa os bons dos maus. Os comerciantes de drogas (cocaína e crack) se armam
para defender seus produtos e garantir que cheguem a seus inúmeros clientes.
Um outro dado da pesquisa informa que menos-tantos% da população
entrevistada investem em educação. Não é a educação a chave da saúde e da
segurança capaz de diminuir drasticamente os obstáculos à convivência humana e à
vida saudável? Os resultados dessa pesquisa confirmam apenas que a realidade da
construção da sociedade de seres inteligentes obedece de forma determinante a
esses investimentos salvadores? Que há que aumentar o número de empresas de
financiamento da saúde terceirizada e da segurança armada?
Essas medidas tomadas pela sociedade brasileira compõem nossa
verdade patriótica ou respondem à realidade construída de cima para baixo, com
tentativas autoritárias dos governos, baseadas em sua própria incapacidade de
compreender a alma humana?
Continuaremos ampliando e aperfeiçoando os experimentos de
saúde lucrativa e terceirizada e de segurança armada? São essas as verdades de
hoje? Ou não passam de experimentos com resultados a conferir?
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