quarta-feira, 9 de julho de 2008

LEI SECA

One beer or two beers, eis a questão.
O impressionante número de acidentes provocados por condutores embriagados despertou finalmente a consciência do cidadão e dos legisladores. Mortes trágicas, invalidez permanente, sofrimento moral, viuvez e orfandade, velórios e sepulturas, custo social pesam na convivência do cotidiano e geraram sensata lei que restringe a liberdade do condutor bêbado. Assim é em toda a Escandinávia e países civilizados, onde se bebe para valer. O cumprimento da lei é um dever cívico do cidadão e os infratores são incondicionalmente punidos.
Tolerância zero! É uma expressão que pretende assustar ao invés de convencer. É a primeira falácia para que a lei seja cumprida. Pelas reações de donos de restaurantes e bares, mais preocupados com o lucro do que com a vida de seus clientes, e cidadãos que se sentem lesados em sua liberdade, evidencia-se que nem todos querem observar a lei. Por outro lado, nem os controladores oficiais são capazes de garantir seu cumprimento por falta de organismos e pessoas em número suficiente. Como é comum em nosso país, teme-se que, em algumas semanas, relaxa-se a vigilância e a displicência faça regredir os avanços da civilidade.
Lei seca! Outro equívoco. Ninguém, nem um só artigo da lei proíbem o cidadão de beber e se embriagar. A lei apenas torna incompatível o beber e o conduzir, protegendo ao mesmo tempo o condutor e a comunidade. A astúcia do cidadão deverá encontrar formas de conviver com a lei. Afinal, o carro individual não é o único meio de se chegar ao bar e voltar para casa.
Os bares e restaurantes são uma engenhosa invenção da ociosidade, do descarrego das tensões; muro de acolhimento da depressão, do desengano, das frustrações diárias; câmara de encontros sigilosos, amorosos ou negócios vultosos. Os fins de tarde felizes, a conversa amigável ao pé da garrafa, os acertos de contas sentiram-se, de súbito, ameaçados. Qualquer cidadão que tenha à sua frente uma garrafa de cerveja ou vinho tornou-se um inimigo potencial da lei. O percurso da mesa do bar à casa virou impasse. Como providenciar transporte para os milhares de produtos embriagados que saem de centenas de restaurantes?
A casa já não é mais o ponto de encontro de amigos como em outros tempos. O bar é a alternativa da casa e já não pode aliviar as tensões nem estimular a convivência. Criou-se o trauma da pós-bebida.
Voltaremos à vida pacata das ruas tranqüilas com seu bar de esquina? Teremos que construir novas amizades e descobrir esmeraldas escondidas no bloco de apartamentos ao lado? Compartilharemos intimidades com zeladores e porteiros?
Afinal, é o líquido espirituoso que consolida amizades ou são as afinidades que reúnem as pessoas? Suco de cupuaçu ou de graviola poderão substituir o vinho ou o gim com tônica para criticar o chefe da repartição ou chorar as mágoas de uma separação?
Novos tempos. Novos costumes.

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