AS DUAS FACES DO CERRADO
Aprendi, aos 40 anos, que o Cerrado tem
duas faces ecológicas. Uma seca, outra molhada. Sol e água. Compreendi,
observando os efeitos do Sol, na face seca e a importância da água, na face
molhada, a sabedoria cooperativa de interação e interdependência entre ambos
para a manutenção e regeneração do bioma Cerrado e seus múltiplos ecossistemas.
Detive-me a ver, durante dez anos, centenas de metros cúbicos de água descendo
por grotas, lavando o solo queimado, arrastando pedras, paus e folhas para o Ribeirão
das Lajes. Percebi, aturdido, que a face seca clamava pela face molhada. A
inteligência ambiental me iluminou. Levantei, com a colaboração de outros braços,
mais de uma centena de pequenas barragens para guardar no solo as lágrimas
torrentosas da face molhada. O segredo da manutenção e a regeneração da
grandeza e beleza do Cerrado, disse-me a inteligência ambiental, é captar e
guardar as águas da chuva. Tudo o mais, a natureza faz. Ela tece, com alegria e
liberdade, a teia da vida humana e não humana com experiência de bilhões de
anos. Por isso, deixei-me invadir pela inocente felicidade vegetal.
Ontem, dia 27 de outubro, celebramos os
50 anos de liberdade conquistada pelos 70 hectares da Biocomunidade do Sítio
das Neves, festejamos aniversários de árvores centenárias e bicentenárias, prestamos
homenagem póstuma a um angico cinquentão, tetravô, atropelado por um raio.
A paz e a felicidade arbórea
contagiaram os olhos e as mentes de todos nós.
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