ÁGUA
É ÁGUA
A água imóvel dos lagos, as águas
sussurrantes do riacho, as águas que despencam da pesada nuvem, as águas que se
lançam destemidamente pelas cascatas, todas as águas me fascinam.
Minha vida navega nas águas do meu
corpo.
Não nasci no signo de Aquário para
enfrentar correntezas.
Não sou do signo de Peixes para viver
mergulhado nas profundezas.
A água que trago em mim é atraída
pela água que dá vida aos seres deste planeta.
Não importa que ela venha de cima com
a força da tormenta.
Não importa que brote de baixo, da
escuridão do solo num filete brilhando a prata.
A água, em qualquer circunstância, me
seduz.
Ela é abundante no Sítio das Neves. E
antiga.
Corre sem parar há milhões de anos.
Um pequeno olho-d’água espia, por
traz das rochas, o grande vale por onde passará, juntando-se a outros
minúsculos que descem pelas grotas sombreadas rumo ao mar.
As águas, escorrendo silenciosas ou
murmurando segredos entre as pedras, me chamaram, me segredaram, me ofereceram
um pacto de cooperação.
Compreendi a mensagem da água.
Ela me pediu para permanecer mais
tempo no lugar onde nasce, para desfrutar da amizade das árvores, das flores e
dos pássaros que ela dessedenta.
Tempo tem ela para juntar-se a outras
águas e festejar com elas as celebrações nas ondas e nas praias do mar.
Elas me ensinaram que nenhum rio,
pequeno ou grande, chega sozinho ao mar.
Atento aos desejos da água, e aos
meus, nas grotas profundas, construí com pedras, folhas de catolé, paus secos e
terra babosa de cupim pequenas barragens de contenção.
A água acumulada em pequenos lagos,
reflete a cor do céu, azul ou cinza.
A água não para. Aumenta, engrossa o
laguinho e se infiltra entre pedras e paus e segue lentamente sua aventura
solitária até encontrar outras águas.
Ao seu redor, novas plantas e flores
brotam, pássaros vêm nela banhar-se.
Cobre-se a terra de verde de variados
tons.
As águas de um laguinho, no ponto
mais alto, visitam os lagos a jusante espalhando vida e beleza.
A água e eu construímos um santuário.
O santuário das águas.
No Sítio das Neves, tudo é santo.
Há santos grandes e pequenos.
O santo angico, o santo jatobá, a
santa aroeira, o santo jacarandá, a santa orquídea-do-cerrado, o santo catolé.
O santo pica-pau, o santo colibri, o
santo jacu, a santa seriema.
O santo tamanduá-bandeira, o santo
mão-pelada, a santa jararaca, a santa jararacuçu, a santa cascavel.
O cerrado é a basílica de nossa
senhora caliandra e catedral de santa canela-de-ema.
E todos os santos que não foram
batizados se refugiam nesse santuário.
A água sabe de tudo o que acontece
nesse santuário e, eu, também.
Só não sabem os incendiários que põem
fogo no cerrado.
Só não sabem o mal que fazem às águas
os que furam poços artesianos.
Só não ouvem a voz das águas os
desflorestadores de nossas matas.
Aquelas águas que inundaram cidades,
afogaram pessoas e bichos, foram desprezadas no berço, esquecidas nos primeiros
passos da infância.
A revolta das águas é uma lei da
natureza.
Amo de paixão minhas águas porque
elas se apaixonaram por mim.
O que eu sinto por elas e pelas
árvores, elas sentem por mim.
6.3.2023
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