sexta-feira, 17 de setembro de 2021

ELOGIO DA MENTIRA

 

ELOGIO DA MENTIRA

 

A mentira tem a mesma fonte e a mesma força da verdade. Ambas são produzidas pelo cérebro.

A mentirosofia se consolida no compartimento amplo da mentirocracia.

Um conto literário é uma mentira curta. O romance é uma longa e confusa mentira. Os personagens brotam da mentira ampliada. O escritor, incentivado pela história fantasiosa, lhes dá vida. Essas mentiras são citadas, depois, como verdades.

A mentira é sábia. É obra-prima do homo sapiens.

As galerias do Louvre apresentam, há séculos, a arte da mentira deixada por Leonardo da Vinci. O excepcional grupo de pintores, de todas as origens, encanta a espécie humana com mentiras decifráveis e indecifráveis, como as de Salvador Dalí.

A construção arquitetônica de cidades é uma singular mentira ecológica imposta a um ecossistema.

As mentiras politicas associadas às econômicas e financeiras enriquecem a poucos e, no Brasil, empobrecem a maioria. E todas são constitucionais.

As mentiras judiciais toleram sentenças que valem para hoje. Nem sempre se ajustam à mentira do amanhã.

Uma afirmação sempre tem duas interpretações que se opõem. Uma é contrária, artificialmente verdadeira. O ente julgado é condenado pela suposta verdade e absolvido pela verdadeira mentira.

A verdade é uma mentira provisória. A mentira é uma verdade intemporal e flutuante. A mentira desmentida é a comprovação da mentira. Como a verdade, a mentira é eterna e inextinguível.

A mentira tem pernas longas. É veloz com velocidade do som e da luz. É ouvida, em segundos, nos quatro cantos do planeta.

A mentira não tem compromisso com regimes de esquerda ou de direita, nem de religiões. Ela convive com a democracia livremente e com ditaduras sob forte proteção armada.

A mentira será tão eterna quanto a verdade que se lhe oponha.

O falso, o enganoso, o sofisma são expressões integrantes da convivência humana. Não há falsa verdade. Institui-se um dia especial para celebrar a mentira ou um fato enganoso. “Mentir, mentir sempre. Alguma coisa ficará como verdade”. (Voltaire) Vender gato por lebre é tão antigo quanto a existência desses bichos.

A mente é impalpável, invisível. Tem o dom de se mimetizar. É um camaleão diante da realidade. Por isso se opõe ao corpo (corpus) visível, tocável, com formas medíveis.

O cérebro associa as informações recebidas dos cinco sentidos. Expressa, por palavras, gestos ou sinais, o produto, o pensamento, a suposta realidade percebida.

A proposta cerebral, a intenção ou o plano podem se referir ao corpus, ao real. Mas pode inventar, enganar e falsificar o sentido e o significado das informações recebidas. A mente, o pensamento enganoso é uma alternativa. Pode ser e pode não ser o que se denomina verdade.

Pode-se aceitar ou não o produto do cérebro. A verdade e a mentira disputam misteriosamente o reino da liberdade e os tribunais da justiça.

Umas das mentiras sibilinas é: nada a ver. Isto não tem nada a ver comigo. Não fui eu. Não conheço a pessoa. Nunca estive nesse lugar. Não lembro do fato. Sempre cumpri minhas obrigações. Nunca menti. Minha vida é um livro aberto.

Eugênio Giovenardi

16.9.2021

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