ELOGIO DA
MENTIRA
A mentira tem a mesma fonte e a mesma
força da verdade. Ambas são produzidas pelo cérebro.
A mentirosofia se consolida no
compartimento amplo da mentirocracia.
Um conto literário é uma mentira curta. O
romance é uma longa e confusa mentira. Os personagens brotam da mentira
ampliada. O escritor, incentivado pela história fantasiosa, lhes dá vida. Essas
mentiras são citadas, depois, como verdades.
A mentira é sábia. É obra-prima do homo sapiens.
As galerias do Louvre apresentam, há séculos,
a arte da mentira deixada por Leonardo da Vinci. O excepcional grupo de pintores,
de todas as origens, encanta a espécie humana com mentiras decifráveis e
indecifráveis, como as de Salvador Dalí.
A construção arquitetônica de cidades é
uma singular mentira ecológica imposta a um ecossistema.
As mentiras politicas associadas às
econômicas e financeiras enriquecem a poucos e, no Brasil, empobrecem a maioria.
E todas são constitucionais.
As mentiras judiciais toleram sentenças
que valem para hoje. Nem sempre se ajustam à mentira do amanhã.
Uma afirmação sempre tem duas
interpretações que se opõem. Uma é contrária, artificialmente verdadeira. O
ente julgado é condenado pela suposta verdade e absolvido pela verdadeira
mentira.
A verdade é uma mentira provisória. A
mentira é uma verdade intemporal e flutuante. A mentira desmentida é a
comprovação da mentira. Como a verdade, a mentira é eterna e inextinguível.
A mentira tem pernas longas. É veloz com
velocidade do som e da luz. É ouvida, em segundos, nos quatro cantos do
planeta.
A mentira não tem compromisso com regimes
de esquerda ou de direita, nem de religiões. Ela convive com a democracia
livremente e com ditaduras sob forte proteção armada.
A mentira será tão eterna quanto a verdade
que se lhe oponha.
O falso, o enganoso, o sofisma são
expressões integrantes da convivência humana. Não há falsa verdade. Institui-se
um dia especial para celebrar a mentira ou um fato enganoso. “Mentir, mentir
sempre. Alguma coisa ficará como verdade”. (Voltaire) Vender gato por lebre é
tão antigo quanto a existência desses bichos.
A mente é impalpável, invisível. Tem o dom
de se mimetizar. É um camaleão diante da realidade. Por isso se opõe ao corpo
(corpus) visível, tocável, com formas medíveis.
O cérebro associa as informações recebidas
dos cinco sentidos. Expressa, por palavras, gestos ou sinais, o produto, o
pensamento, a suposta realidade percebida.
A proposta cerebral, a intenção ou o plano
podem se referir ao corpus, ao real. Mas pode inventar, enganar e falsificar o
sentido e o significado das informações recebidas. A mente, o pensamento
enganoso é uma alternativa. Pode ser e pode não ser o que se denomina verdade.
Pode-se aceitar ou não o produto do
cérebro. A verdade e a mentira disputam misteriosamente o reino da liberdade e
os tribunais da justiça.
Umas das mentiras sibilinas é: nada a ver. Isto não tem nada a ver
comigo. Não fui eu. Não conheço a pessoa. Nunca estive nesse lugar. Não lembro
do fato. Sempre cumpri minhas obrigações. Nunca menti. Minha vida é um livro
aberto.
Eugênio Giovenardi
16.9.2021
Nenhum comentário:
Postar um comentário