A NATUREZA PEDE PAZ
Um
alerta à espécie humana do planeta Terra.
Si vis pacem, para bellum.
Se queres a paz, prepara a guerra, diziam os romanos.
A longa, larga e profunda experiência no curso de
contínua evolução da espécie humana indica, em nosso tempo, a busca da paz.
Além da guerra que a espécie humana trava, há milênios, contra si,
negligentemente descuida também das relações de interdependência com a
natureza. Então, hoje, a recomendação à espécie humana é: se queres a paz, prepara a paz.
Um armistício, um pacto de paz com a vida engloba a
biodiversidade do planeta na qual está inserido o ser humano. Só um limitado
pacto de paz para evitar guerras entre os povos, discriminação de todos os
tipos, preconceitos e desigualdades não terá efeito duradouro se os outros
componentes da biodiversidade – fauna, flora e água – ficarem sob o controle
discricionário do ser humano. O planeta é um só e a casa é comum a todos os
seres vivos que integram a biodiversidade.
A natureza quer paz. O pacto de paz deverá abranger
todas as formas de vida. Dotada de cérebro capaz de associar e elaborar todas
as informações recebidas dos cinco sentidos e expressar seus pensamentos pela
palavra, a espécie humana terá que se dispor a um pacto de paz com a natureza.
A paz com a natureza, isto é, com a sustentação da biodiversidade, é o melhor
senão o único meio de sobreviver no universo como espécie consciente. A espécie
humana é uma unidade de um corpo interplanetário no qual circula o mesmo sangue
existencial.
Penso em três fatores básicos que podem concorrer para
um pacto de paz ecológico. O primeiro fator a considerar é a superpopulação
humana no planeta que arrasta consigo a superpopulação de animais domesticados.
A reprodução dessas populações produz um impacto devastador sobre a sobre a
natureza e a reprodução necessária da biodiversidade.
Os números apresentados no relatório Planeta Vivo (Fundo Mundial para a
Natureza – WWF) são amedrontadores:
20% da floresta amazônica já foi queimada ou destruída. De 1970 a 2014, 60% dos
animais vertebrados desapareceram no mundo. Na zona do Caribe e América Latina,
os números são aterradores. Em 44 anos, 89% dos vertebrados foram sendo
dizimados. Entre 2000 e 2014, o mundo perdeu 920 mil quilômetros quadrados,
superfície similar ao tamanho da França e Alemanha.
“Não pode
haver um futuro saudável e próspero para os homens em um planeta com o clima
desestabilizado, os oceanos sujos, os solos degradados e as matas vazias. Um
planeta despojado de sua biodiversidade.” (Marco Lanbertini, diretor-geral do WWF)
Todas as espécies vivas se servem de elementos comuns
oferecidos pela natureza de nosso planeta: água, ar, sol, terra, ao longo das
estações do ano. Sabiamente, a natureza estabeleceu um sistema predatório de
controle do crescimento e da reprodução de espécies que garante o equilíbrio
natural.
A única espécie que pode reproduzir-se além das
possibilidades de sobrevivência é o homo
sapiens. A evolução do cérebro e de sua capacidade de ordenar e administrar
os elementos da natureza lhe deu a errônea percepção de que tudo o que existe
está somente à sua disposição. Desprendeu-se do conjunto da biodiversidade e
assenhoreou-se das riquezas do planeta. Sua capacidade de transformar, de
produzir alimentos, abrigos, máquinas e armas estimulou a rapidez da própria
reprodução causando quase insuperáveis condições de sobrevivência à global
biodiversidade da qual depende e à qual pertence.
A espécie humana, diferentemente das outras espécies
animais, tem a capacidade de decidir sobre os limites de sua reprodução
biológica. Esta decisão lhe permite estabelecer as condições de prosperidade,
conforto, bem-estar para sua descendência nas próximas décadas.
O controle consciente do crescimento populacional da
espécie humana, contido na simples taxa de reprodução, seja talvez condição
imprescindível para a sustentação da biodiversidade e o pacto de paz com a
natureza. Não há que ignorar o impacto da superpopulação num momento em que
ondas de emigrantes deixam suas casas, seus países, seus laços culturais em
busca da sobrevivência e de paz social.
O segundo fator, ligado ao primeiro, que pode
dificultar o pacto de paz com a natureza é a necessidade cada dia maior de
produção de alimentos para a subsistência de bilhões de pessoas, hoje
malnutridas, oferta de abrigos e de tecnologias diversificadas para o conforto
humano. A produção de alimentos, o desmatamento contínuo, o uso abusivo da
água, a disseminação de venenos (pesticidas, agrotóxicos atacam
indiscriminadamente a biodiversidade) a poluição dos mananciais, rios e oceanos
são uma arma constante contra a sustentação da biodiversidade. A perspectiva de
o planeta ter que alimentar 10 bilhões de pessoas na década de 2040 é
assustadora. Há que se considerar o longo tempo necessário à natureza para
regeneração de florestas devastadas. O tempo da natureza não é o tempo do relógio.
A extinção definitiva de milhares de espécies, praticada pela ação humana,
silenciou nossas matas.
Mudanças climáticas e o aquecimento do planeta
concorrem para aumentar as dificuldades de produção de alimentos e põem em
evidência os limites de bens e riquezas do planeta. Em 2030, a demanda de água será 40% maior do que a
disponibilidade para a preservação da biodiversidade e da sobrevivência humana.
O terceiro fator que se atravessa no caminho da paz
com a natureza é a crescente urbanização. Mais de 80% da população mundial vive
em cidades, muitas delas em caótico estado administrativo. Milhares de
agrupamentos humanos se assemelham a imensos aviários, com espaço limitado para
se mover e respirar. As melhores áreas a beira-mar, vales férteis, margens de
rios, mananciais provedores de água foram desertificados pela
impermeabilização, por estradas, viadutos, edifícios, aeroportos e milhares de
equipamentos que, em realidade, aprisionam as pessoas.
Administrações municipais, ao redor do planeta,
enfrentam sérias dificuldades de abastecimento de água aos cidadãos, quando não
inundadas por tempestades imprevisíveis. Entre tantas estão a cidade de São
Paulo (Brasil), Cabo (África), Pequim (China), cidade do México, Tóquio (Japão)
e Moscou (Rússia). É evidente a dificuldade de prover água aos cidadãos, de ampliar
o tratamento de dejetos, de esgotos e da despoluição de rios e oceanos. A
contaminação do ar se tornou um vetor de doenças infantis e da população idosa.
Ressalte-se a incapacidade cada dia mais evidente de
administrar grandes populações, consolidando a divisão de ricos e pobres,
empresários afortunados e subempregados. Desigualdade e pobreza não comportam
paz.
O pacto de paz com a natureza depende da generosa
compreensão da biodiversidade, dos limites de oferta de bens naturais do
planeta, da lenta regeneração de áreas degradadas, do necessário
reflorestamento, da proteção de florestas ainda existentes, da preservação de
mananciais, reuso de águas e incorporação de fontes alternativas de energia.
O pacto de paz com a natureza é possível porque a
espécie humana é capaz de pensar, de sentir, de ir além do desfrute material e de
perceber o pulsar da vida presente em todos os seres.
14.11.2018
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