segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

ÁGUA NOSSA DE CADA DIA


( Artigo publicado no Correio Braziliense, em 25.11.2016) 
Eugênio Giovenardi, ecossociólogo, autor de UMA OBRA EM VERDE, entre outros

As mudanças climáticas bateram à nossa porta não sem avisos prévios. Antes do Clube de Roma, 1972, escritores russos, como Anton Tchekhov (1870-1904), ou franceses, como Marguerite Yourcenar (1903-1987), advertiram a espécie humana sobre o desmatamento, a poluição de rios e o esgotamento dos ecossistemas. O desrespeito à ecologia e a indiferença com o ambiente se agravaram com o crescimento exponencial da população humana nas seis primeiras décadas de 1900.
A intensidade do uso dos bens naturais limitados para a sobrevivência e a reprodução de todas as espécies vivas do planeta, incluído o homo sapiens, depende essencialmente do número de bocas. Os bens essenciais são água e alimentos. Uma pessoa precisa, por dia, de 110 litros de água, segundo a Organização Mundial da Saúde e ao redor de 1 kg de comida. Um bovino, que oferece carne ou leite, ingere 30 kg de comida por dia e consome 15 mil litros de água para converter esses alimentos em um kg de carne. E são necessários mil litros de água para se obter da vaca um litro de leite.
Para produzir um quilo de arroz, um pivô central precisa tirar do subsolo 2.500 litros de água sem a responsabilidade de os repor. Água para produzir alimentos é apenas o ponto de partida para todos os demais usos que dela faz a espécie humana.
Divulga-se que Brasília foi projetada para uma população ideal de 500 mil habitantes. O consumo mínimo de água por dia desses habitantes seria de 55 milhões de litros de água e 500 mil kg de comida. A população atual, 55 anos depois, chega a três milhões. A quantidade de comida passou de 500 mil para três milhões de kg e o consumo de água, de 55 para 330 milhões de litros/dia. 
Esse consumo de água se refere apenas à reposição diária por pessoa, sem contar os diferentes usos de água que vão da limpeza urbana à lavagem de carros, nas quadras e superquadras de Brasília, regadio de jardins ou para a indústria, o comércio e a produção de alimentos.
Esse consumo direto de água visível é multiplicado pelo consumo de água invisível em forma de energia elétrica. Segundo especialistas em geração de energia hidrelétrica, para produzir um KW são necessários 6.600 litros de água. O consumo médio de energia por pessoa/dia é de 3 KW, que requerem 19.800 litros de água. Tudo somado, só a população atual de Brasília requer, para seu conforto diário, 198,3 bilhões de litros de água. Não temos toda essa água no DF. E, a cada ano, ao redor de 60 mil novos habitantes se somam à população do DF, equivalente ao tamanho do bairro Vicente Pires. Não é de estranhar que as grandes represas do país estejam com baixos níveis de água. Cabe inculcar na população esta mensagem permanente: para poupar água, apague a luz.    
Esses dados relativos ao aumento da população e suas necessidades diversificadas, ampliadas pelo estimulo ao consumo desmedido de bens úteis e inúteis são os elementos básicos a determinar uma inteligente gestão econômica da água.
No Distrito Federal, há, pelo menos, seis órgãos públicos responsáveis pela gestão da água, mas atuam como rodas soltas segundo suas competências institucionais. A dissintonia institucional permite que representantes de empresas de perfuração de poços artesianos, sem temor da fiscalização, revelem sua autonomia de decisão a potenciais clientes: “Não precisa falar com ninguém. Isso não é fiscalizado. Todo mundo faz assim” (CB, 5.11.2016)
Por outro lado, a população não tomou consciência da gravidade das consequências das mudanças climáticas. E uma delas é a irregularidade das chuvas. A única fonte perene de abastecimento de água e recarga das nascentes é a chuva. Uma das medidas administrativas essenciais dos órgãos públicos, com autoridade gerencial e a participação da população, é planejar e executar sistemas diferenciados de captação e armazenamento de águas da chuva.
Em épocas de escassez, discute-se a elevação do preço da água. Ameaça-se com racionamento. Obriga-se a individualização dos hidrômetros. Recomendam-se projetos de reuso da água e outros truques. Essas medidas, ainda que necessárias, são subsidiárias e não estimulam na população comportamentos de longo prazo nem aumentam o volume das represas e rios.
Urgente, diante da irregularidade das chuvas, é a captação de águas pluviais, no campo e nas cidades, e de múltiplas formas. A captação para recarga dos aquíferos, como solução ecológica e permanente, se faz, como em Tóquio, com galerias de reserva. Reforça-se com arborização intensa, metro a metro, generosa proteção de nascentes, olhos d‘água e com a desimpermeabilização das cidades.
Dada a importância do berço das águas, é de extrema responsabilidade dos administradores atentar para o limite da capacidade de suporte do DF quanto ao crescimento explosivo da população e a consequente pressão sobre os aquíferos superficiais e subterrâneos.



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