sexta-feira, 18 de março de 2016

(CONTINUAÇÃO DA POSTAGEM  ANTERIOR PARA O SEGUNDO SEMINÁRIO ÁGUAS ACIMA, NO INSTITUTO HISTÓRICO GEOGRÁFICO DO DF, DIA 21.3.2016, A PARTIR DE 14H30)

Brasil, Rússia, Canadá, China, Indonésia e Colômbia abrigam metade da água doce do planeta. Só o Brasil possui 12% de toda a água doce. Por ironia da natureza ou por sua sabedoria, há muita água onde pouca gente mora e pouca água nas regiões mais povoadas.
Esta distribuição geográfica da água é um risco permanente. Qualquer erro humano que cause dificuldades ao curso das águas, as populações são afetadas por secas, por inundações ou por degeneração da qualidade da água. Em São Paulo, 6 a 7 milhões de pessoas ficaram, em 2014, sem água por longo período. Em Minas Gerais, a atividade da mineração por empresas ligadas à Vale causou não só a morte de pessoas e animais como a degradação quase mortífera do Rio Doce. A lama dos minérios foi semeando a morte ao longo de vales e rios. Conclui-se que não é suficiente ter grande quantidade de água. É preciso que ela chegue igualitariamente, todos os dias, a todas as pessoas e que sua qualidade garanta a saúde da população.
De onde vem a água? O ciclo da água é uma rotina da natureza: evaporação do mar e das florestas, formação de nuvens e chuvas que se armazenam nas nascentes, nos rios que voltam ao mar para retomar o ciclo.
A oferta de água é um ato exclusivo da natureza e obedece ao funcionamento do ciclo antes descrito. O que todas as formas de vida necessitam é a disponibilidade diária de água. Como todos os seres vivos, a espécie humana se fixa nas proximidades das fontes, cursos ou reservas de água.
As árvores penetram suas raízes na terra em busca de água, mas também abrem caminho para a infiltração das águas da chuva que reabastece os aquíferos. As águas dos aquíferos brotam nas nascentes e formam riachos, rios e lagos. É das florestas e das águas que milhares de espécies de animais obtêm seu sustento para a reprodução da vida.
O abastecimento de água oferecido à população pelos órgãos públicos se origina de represas ao longo de rios ou diretamente deles. A espécie humana, principalmente nos últimos 15 mil anos, aprendeu a construir reservatórios de água. E, nas últimas décadas, monstruosas barragens mudaram o fluxo natural dos rios. Vastas regiões foram inundadas, causando alterações no clima com frequentes desastres ambientais. O crescimento explosivo da população e as formas diferentes de organização social desembocaram em estratagemas econômicos para a alimentação e reprodução da espécie humana.
As florestas, os rios e o mar se revelaram insuficientes para alimentar a vida no planeta. A devastação das florestas para produzir alimentos em favor da espécie humana extinguiu a fonte nutritiva de muitas espécies que, há milênios, constituíam a base da interdependência dos seres vivos.
No entanto, foi com o advento da produção agrícola irrigada – Revolução Verde – que grandes, longos e caudalosos rios passaram a correr secos em alguns períodos do ano e até para sempre. O Indus e o Mekong, na Ásia, o Colorado e o Rio Grande, nos Estados Unidos da América, e dezenas de rios, no Brasil, correm secos por longos trechos ou simplesmente desapareceram.
Hoje, no Brasil e em outros países, há regiões que dependem quase só da água da chuva. As principais ofertas de água são a chuva e o degelo. A estratégia mais inteligente que se possa administrar para garantir a disponibilidade de água é captar essas águas quando se apresentam. Mas, para isso e ao mesmo tempo, reflorestar intensa e ordenadamente os espaços para que parte das águas voltem aos aquíferos de reserva subterrânea.
Há que distinguir, no manejo da água, aumento da oferta de aumento da disponibilidade da água com qualidade necessária à saúde humana.
A oferta da água é inelástica e está a cargo da natureza. O ciclo das águas e o regime de chuvas é variável, mas a quantidade é a que o planeta guarda em seus armazéns sem intervenção humana. A oferta de água não tem mercado cativo. Destina-se indistintamente a todas as espécies vivas. A espécie humana é única que pode alterar o uso dessa oferta e causar a morte de outras espécies pelo direcionamento exclusivo a seus interesses. A mão humana, na prática de suas atividades econômicas, sociais e de saúde, é capaz de construir reservatórios para facilitar a distribuição da água aos usuários. Para essa função de levar água a quilômetros de distância, o ser humano abre poços a grandes profundidades, interrompe o fluxo dos rios ou os desvia. É de se notar que essas represas monstruosas não se destinam só ao abastecimento de água. Geram eletricidade. São áreas de lazer e esporte e fontes de alimentação humana.
Sobre as consequências ambientais e ecológicas dessas barragens há estudos científicos e manifestações de habitantes expulsos de suas terras que demonstram a atitude autoritária da espécie humana sobre si mesma e outras formas de vida.
A mais complicada dificuldade humana de prover-se regularmente de água é o próprio crescimento da população ao longo e largo do planeta. A sobrevivência e a reprodução da espécie humana dependem de sua limitada capacidade de abastecer-se de água a qualquer distância em que dela se encontre. Em segundo lugar, dependem de sua limitada capacidade de produzir, sem água, o variado cardápio de alimentos necessários à manutenção de suas funções orgânicas. As proteínas e vitaminas animais e vegetais demandadas pela população mundial dependem fundamentalmente do uso de água.
No Brasil, não são só os 204 milhões de habitantes que usam diariamente água potável. Os 212 milhões de bovinos, outros milhões de ovinos, caprinos e aves domésticas juntos consomem rios de água que ingerimos na forma de carne. (Alguns milhões de bichos de estimação requerem importante volume de água para distintas finalidades.) O que sobra para plantas e para toda a variedade da fauna é cada vez menos.
Qualquer ação destinada a compreender e respeitar a essência ecológica do planeta – água – deve incluir medidas que controlem o crescimento populacional da espécie humana. Em consequência, diminuir-se-iam milhões de consumidores de água mantidos vivos para desfrute humano. Em outras palavras, com menos consumidores de carne animal teríamos menos rebanhos secando florestas e rios. É bom lembrar que para produzir um quilograma de carne bovina se necessitam 15 mil litros de água. Compra-se água virtual e invisível extraída de fontes desconhecidas da maior parte dos que clamam por água na torneira.
A preservação do ambiente não corre risco por parte de beija-flores, borboletas e peixes do mar e dos rios. O risco e o fato de se extinguirem vidas se originam na espécie humana. A busca do equilíbrio populacional é uma obrigação da espécie humana consciente e deve ser de seu interesse. A interdependência de todos os seres vivos é uma lei natural compreendida por todas as espécies que formam a cadeia trófica.



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