quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

NÃO VERÁS NENHUM PAÍS COMO ESTE


Vivo num país onde ninguém mente. O que é estranho: ninguém fala a verdade, do presidente da república ao síndico do bloco. Ouço meias verdades, ditas com constrangimento. Às vezes, ouço algum crítico impaciente a afirmar com autoridade: a grande verdade é esta... e se esquece de dizer qual é a pequena verdade.
Vivo num país onde tudo funciona exemplarmente sob rajadas de críticas amargas. Nossas invenções são referência mundial, não só para países bananeiros como também para o Canadá, a Suíça e a Noruega.
Telefono para o HOB e pretendo marcar consulta para correção de vista. A voz virtual de mulher séxi pede para marcar o ramal desejado. Marco. Ela diz: aguarde! Aguardo há 24 horas e nada acontece. O sistema caiu no espaço interestelar.
Ligo de meu celular da operadora Vivo para outro Vivo. Ouço: o número discado está programado para não receber “este tipo” de chamada. Volto imediatamente a ligar. Minha filha atende. A ligação é gratuita, mas se interrompe. No visor, aparece: “chamada retida”. Ela me liga de volta. Depois do olá! a ligação cai. Várias tentativas e uma desistência. Finalmente consegui saber que todos estão bem, menos a Vivo.
Vivo num país onde a felicidade é geral. Todos estão otimistas. Todos estão satisfeitos. Todos choram. Todos riem. Todos criticam. Todos têm razão. Todos dizem que assim não vai. “Este país é uma merda”. Nada funciona.
Vivo num país onde a população é, sem saber, anarquista. O brasileiro é um anarquista simplório. Não gosta de chefe. Elogia o chefe. Dá presentes ao chefe. Trai o chefe na primeira esquina.
O brasileiro é, por natureza, um furtador. Furta o que pode. Quando pode. Onde pode. Placas de trânsito desaparecem. Painéis advertindo que não se jogue lixo à beira das estradas se transformam em canil para o cão de guarda. Se for pego com a mão no alheio, nega. Se bebeu, diz que não bebeu.
No ramo do furto há classificação: grandes e pequenos, especialistas e generalistas. O prêmio ao furto milionário é a delação. Ninguém é culpado mesmo que devolva parte do furto. Longe das grades da prisão, os advogados afirmam que o furtador de nada sabe, nada viu. Uma inocência comovente.

É por isto que me ufano de meu país. Caro turista recém-chegado, não verás nenhum país como este.

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