quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

LAGO PARANOÁ

O Lago Paranoá, formado por vários córregos que descem a leste da cidade, é uma espécie de estomago de Brasília. Recebe, diariamente, milhões de litros de água servida e toneladas de lixo e dejetos misturados com terra que as chuvas torrenciais arrastam.

Há muitas cidades no mundo com belos lagos. Ao redor deles, a população passeia. Contempla silenciosamente a quietude da água. Respira a brisa que lhe refresca os pulmões. Integra-se às vidas que pululam neles. Leva para casa preciosas gotas de paz.
Em Brasília, poucas são as pessoas que apreciam o vasto espelho do lago. Nem mesmo os que moram de frente para ele dão-se uns minutos no dia para admirá-lo e ter com ele uma ligação natural. Diante de atitudes e comportamentos observados e relatados pelos meios de comunicação, tem-se a impressão de que o Lago é um quarto de despejo dos brasilienses. Um mar morto resultante da morte dos riachos e córregos que o alimentam de agonias dolorosas.
As quatro pontes de travessia não prendem ninguém ao Lago Paranoá. São tubos de escoamento, corredores de expulsão de cidadãos apressados, trancados em seu automóvel, proibidos de olhar para o Lago sob pena de morte. Não há, por que ninguém pensou na vida da água, uma plataforma, um belvedere protegido sobre elas onde o cidadão poderia descansar e pensar olhando a paisagem aquática.
As pontes não foram construídas para as pessoas. Foram postas mecanicamente como equipamentos utilitários por exigência exclusiva dos automóveis. A mobilidade das pessoas foi confinada ao seu meio de transporte. Uma ponte é uma ponte. O cidadão está excluído dela. Serve apenas como rota de fuga, mesmo que engenheiros e arquitetos lhe tenham emprestado engenho e arte perdidos no espaço.
Lembro-me de estar na ponte sobre o Danúbio. Crianças, jovens, adultos, velhos, passeando ou apoiados ao parapeito, olhando as águas, conversando, rindo, tomando sorvete sob o para-sol do verão.
Na Roma antiga, os aquedutos romanos ligavam as nascentes de água à urbe. Alimentavam as fontes da cidade. Uniam a natureza virginal ao corpo e ao espírito dos cidadãos. Eram as pontes de pedra que sustentavam os aquedutos, cuja água era fonte de saúde pública.
Em Brasília, é da água esquecida do Lago Paranoá, da cloaca malcheirosa cercada de mansões, hotéis e clubes, do quarto de despejo dos dejetos de milhares de cidadãos que o brasiliense se dessedentará.

Há um lago de águas humildes, formado de riachos despretensiosos, no coração de Brasília, à espera do carinho, do afeto, da compreensão e do olhar inteligente do cidadão brasiliense.

Um comentário:

Unknown disse...

Eugenio:
Há anos defendo a retomada das margens do Paranoá pela população, principalmente pedestres.Inclusive já escrevi um artigo no CB propondo isso. Trata-se de retomar as áreas "cedidas" para clubes, restaurantes, residências numa faixa de,pelo menos, 30m, conforme a legislação vigente e, nesta faixa, criar calçadão e ciclovia, só!
Abs, Farret