quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

CHACINAS NO RIO E SÃO PAULO


 (Mecânica das chacinas)
As chacinas acontecem, apesar do policiamento, e são notícias do dia. Amanhã, serão substituídas por outras mortes.
Meus 10 anos a serviço da OIT, na Colômbia, me ajudaram a compreender a mecânica das chacinas. Os jornalistas, por ignorância ou falta de tempo, apenas contam os mortos, o número de balas, as armas apreendidas, os que fugiram da polícia ou foram presos. Entrevistam o delegado ou o chefe de polícia. A conclusão quase sempre é “acerto de contas”.
Quer dizer que há contadores e contabilidade atrás da chacina? Há. A venda de produtos entorpecentes, cuja procura é maior do que a oferta, é administrada por uma organização complexa e de longa experiência mundial. Começa no produtor anônimo, no meio da selva. Passa por laboratórios industriais. Envolve vários meios de transporte da matéria prima e do produto acabado. Detém um sistema de proteção e defesa com armamentos de última geração. Os militares sabem quem são os produtores de armas e de onde vêm. Comercio de armas é irmão siamês da droga. E esta é levada ao consumidor por uma rede supranacional de distribuição e chega a ele em milhares de pontos geográficos orientados por GPS.
A droga tornou-se uma commodity, igual à soja, produzida em vários países do mundo e consumida em todos. Quem está por trás dessa organização de bilhões de dólares?
Uma vasta rede composta de produtores, industriais, comerciantes, transportadores, armazenadores, distribuidores, consumidores de todas as idades, ricos ou pobres, deputados, senadores, juízes, policiais civis e militares, altos funcionários públicos e de advogados integra a organização criminosa.
O Estado assume uma posição política contra a organização econômica que administra esses produtos, vulgarmente chamados de drogas, alegando motivos de saúde pública e de tráfico criminoso de entorpecentes.
A maneira mais eficaz que o Estado encontrou para combater o narcotráfico foi mover guerra avulsa contra a organização criminosa sem saber quem é o comandante nem onde está localizado o quartel general do inimigo. Organização criminosa, aqui, significa os que produzem e distribuem o produto ilícito sem fronteiras. São atacados pelo exército (terra, mar e ar), e por todas as demais polícias. Não declarou guerra, ainda, aos consumidores que vivem atrás de barricadas de bairros nobres ou esparramados pela periferia das cidades.
O Estado sabe que é uma guerra perdida, embora aqui e ali ganhe batalhas. Então, por que as chacinas?
Hoje e sempre, no Brasil, na Colômbia, no México ou nos Estados Unidos, os cabeças visíveis, cujos nomes são conhecidos, estão presos em cadeias de segurança máxima. Então, qual é a mecânica?
As forças mobilizadas do Estado investigam, mapeiam, fiscalizam, perseguem, prendem, desbaratam, processam, matam. Sem fim. Os donos ou representantes da organização econômica de entorpecentes continuam produzindo, transportando, vendendo aos consumidores livres, desafiando as polícias, matando alcaguetes, policiais e militares.
Importante frisar que o medo da guerra, do militar, do policial e dos chefes de gangues se instala no âmbito dos colaboradores, no seio das famílias e da própria organização econômica do narcotráfico. Os traidores existem no exército e em qualquer outra organização. Os delatores entregam o chefe da gangue ao policial, o policial ao comandante da polícia. Quando a propina não cobre os riscos da operação desaparecem pessoas ou aparecem cadáveres. A vindita faz parte da guerra.
A corrupção é a tônica dessas organizações. Atinge policiais civis e militares, advogados, juízes, altos funcionários públicos, deputados, senadores direta ou indiretamente associados à organização do narcotráfico. Todos sabem com quem estão lidando.
A chacina só é possível porque todos esses integrantes participam do negócio de bilhões. Os “delatores medrosos” procuram a polícia, anonimamente, traem a organização, iludidos de que serão por ela protegidos ou deduram o policial amigo. Se o código de fidelidade que garante o funcionamento da economia da droga foi rompido, a teia da organização sabe onde isto aconteceu e quem são os traidores. Morte aos traidores de ambos lados. Nessas chacinas, é comum e notório entrar na lista de mortos não só os que os jornalistas dão como ajuste de contas. Nas últimas chacinas, se não em todas, morreram policiais e sempre vão morrer. Faz parte da guerra.
Na contabilidade da eficiência da guerra do Estado aparecem os números positivos de prisão de peixes miúdos, de muitos mortos, de apreensão de armas e estoques de drogas. Os peixes graúdos são os mandantes da empresa e frequentam os melhores hotéis e restaurantes.
Enquanto as chacinas acontecem nos morros do Rio de Janeiro e bairros de São Paulo, onde se concentra o núcleo duro da distribuição e consumo de drogas, a cadeia produtiva não se interrompe. Haverá sempre helicópteros e jatinhos à disposição da ecumênica organização mundial da droga da qual o Brasil é um sócio majoritário.

E haverá chacinas periódicas com a anuência de toda a sociedade.

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