domingo, 30 de dezembro de 2007

PAIS DE METONÍMIAS, ALEGORIAS E EUFEMISMOS

Na informação rotineira dos fatos, acostumamo-nos à ineficiência dos que administram serviços públicos e privados, à displicência e aos gastos perdulários que já não damos importância se uma obra custou um ou dez milhões de reais. Qualquer obra, acima de um milhão é incontrolável.
Um roubo praticado por senadores ou deputados, fiscais da Receita ou funcionários da Previdência, só vem a furo quando ultrapassa os R$ 500 milhões. A displicência se generaliza de cima para baixo, garantida pela impunidade e reforçada por uma cascata de metonímias que governam a sociedade. As metonímias escondem o rosto dos responsáveis e difundem irresponsabilidades no exercício das multifárias atividades dos cidadãos.
São ordens do Palácio do Planalto, dizem os funcionários para a platéia brasiliense. Ou são ordens de Brasília, quando os subordinados se encontram no Acre ou no Mato Grosso do Sul. No período militar, eram ordens superiores que justificavam a prisão de oposicionistas ou a censura prévia. Quem manda no Palácio? Os desmentidos, o espírito de corpo e a proteção mútua asseguram a existência da autoridade sem rosto. Em situações mais delicadas, sabe-se que o Palácio não gostou de certa galhofa da ministra sobre as vicissitudes de turistas nos aeroportos.
Nos longos feriados de Páscoa, Natal ou Ano Novo, o jornalista, com ar triunfante, informa que a loucura do trânsito matou 20% a mais do que no ano anterior. Os condutores sobreviventes e os mortos não têm nome. Fazem parte da loucura do trânsito. Não ouvem conselhos dos agentes rodoviários, não percebem que transportam pessoas, não vêem as centenas de placas e sinais ao longo das estradas. Metonímia é dizer que o trânsito mata, ao invés de a imprudência do condutor.
A justiça é lenta, a polícia tortura, a violência está fora de controle, enterrada mais uma vítima de bala perdida, caiu na malha fina da Receita, as drogas são comercializadas pela organização criminosa e consumidas pela classe média alta, são algumas das expressões que compõem o conjunto de informações cotidianas. Construímos com alegoria e eufemismos uma sociedade sem rosto. As responsabilidades se escondem atrás dessa espessa cortina de frases feitas, de ordens maldadas e malcumpridas, de crimes sem culpados, de roubos sem ladrão.
No ano de 2007, o aquecimento da Terra foi a verdade inconveniente que abalou a humanidade. O aquecimento global do planeta se tornou, na boca de jornalistas de rádio e TV, o responsável por todas as calamidades sofridas, da inundação de Nova Orleans, Indonésia e China à seca do Nordeste e do Sul do país. Enquanto isso, continua-se queimando florestas, consumindo petróleo nos milhões de carros particulares, aumentando o calor da atmosfera, causando desastres diários com mortes de pessoas e perdas materiais. O aquecimento global é obra do homem.
Voltando de Vitória para Brasília, com escala no Rio de Janeiro, no longo período em que a incompetência administrativa dos aeroportos se manifestou nos departamentos do governo e nas empresas de aviação, os passageiros foram surpreendidos com uma nova metonímia proferida pelo comandante do avião.
Senhores passageiros, sua atenção, por favor. Estamos prontos para a partida. No entanto, o Solo nos orienta para aguardarmos 20 minutos. O solo, quem seria? Certamente, alguém com os pés no solo. Como responsabilizar o solo? Como prender a violência? Como deter o aquecimento global da Terra?
E assim vamos. Ouvimos e usamos o vocabulário das irresponsabilidades que facilitam a impunidade, numa sociedade sem rosto e sem nomes.

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