As propostas que economistas e cientistas sociais,
biólogos e antropólogos oferecem à sociedade para humanizar a vida da espécie
humana, corrigindo a compulsão do ter coisas em detrimento de ser, encontram
barreiras surpreendentes.
Compreende-se que os ferrenhos adeptos do crescimento
econômico sem limites cedam à ambição dos empreendedores e não aceitem freá-lo.
Porém, os interlocutores mais delicados de se lidar são os que adotam um
discurso de expressões ecológicas e ambientalistas ambíguas mescladas de velhos
conceitos.
Um desses, que ainda está no meio do caminho do
amadurecimento conceitual, afirmava com segurança, numa conversa entre amigos, que
o capitalismo não é responsável pela desigualdade econômica e social, pois
estimula abertamente a criatividade e a competição. A competição, segundo ele,
é benéfica para a eficiência na produção de bens.
A invenção da roda, exemplo de criatividade antes do
capitalismo, em épocas imemoriais, nasceu da necessidade de chegar a novos
lugares e transportar alimentos de sobrevivência para reprodução da população
tribal. A relação sobrevivência-criatividade tem a ver com o grupo tribal em
toda sua extensão. A criatividade no crescimento econômico, baseada na superioridade
de um povo sobre outros e na exploração sem limites dos bens naturais, pode
levar à fabricação de aviões ou de celulares como de bombas atômicas ou
equipamentos de destruição da humanidade.
Confunde-se, por comodismo mental, competição
econômica, empresarial com exploração dos colaboradores do processo produtivo
que são os trabalhadores e os consumidores de bens. Determina-se, em
consequência, o lucro da atividade e do capital. Esse processo funcional
garante a estabilidade econômica temporária com altos e baixos. Aumento do
emprego e do consumo. Diminuição do consumo e desemprego. O impacto ecológico
dessa atividade econômica linear é esquecido e os investidores quase sempre
descuram do fato de a riqueza natural ser finita e de difícil regeneração.
A competição econômica não é o mesmo que competição
social. A competição social é impulsionada pelas leis biológicas da
sobrevivência e reprodução da espécie. A competição social e a cooperação entre
os membros da mesma espécie são inerentes à essência da vida e ambas têm
limites. Os limites são determinados pela consciência do eu e reconhecimento da
consciência do outro.
A espécie humana é constituída geneticamente de
igualdade estrutural. É esta igualdade estrutural que deve comandar a frágil e
insegura igualdade funcional. A competição econômica ou “criatividade”
mal-interpretada aponta para a igualdade funcional – todos podem colaborar para
o crescimento econômico com emprego e renda – e facilmente descarrila para a
submissão da maioria aos interesses da minoria.
A busca da igualdade funcional pela competição
econômica é parte da utopia. A igualdade estrutural é inquebrantável porque é
consequência da constituição biológica e psíquica do ser humano. Independe da
igualdade funcional, embora esta possa contribuir e de fato contribui para o
convívio feliz da espécie humana. A igualdade estrutural do ser humano pode ser
ignorada pela ambição, manipulada pelo poder, por regimes políticos ou
religiosos, mas não extinta. Ela surge com maior ou menor intensidade ao longo
do tempo. Este é o ponto básico do qual deve partir toda a ação humana
destinada à felicidade da espécie humana.
Ao perder o foco da igualdade estrutural, descamba-se
para a utopia da igualdade funcional de ter coisas e ter posição fictícia ou
real na sociedade para garantir a linearidade do crescimento econômico. O
equívoco da igualdade funcional consolida a divisão de classes sociais. Todos
ou a maioria podem ter carro, mas se estabelece ao mesmo tempo sólida diferença
não só entre os carros em uso como entre as pessoas que o possuem.
A produção de bens para o conforto material da espécie
humana, usando as capacidades técnicas e tecnológicas, as habilidades
intelectuais, as energias e a força, pode alcançar altos níveis de prosperidade
material sem atentar para a sobrevivência da biodiversidade necessária à vida.
A convivência social e a felicidade existencial da
espécie humana dependem fundamentalmente da igualdade estrutural das pessoas e
do respeito permanente aos limites da riqueza natural finita para a reprodução
e sobrevivência de todos os seres vivos do planeta.
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