Ao ler inúmeros
textos, críticas, artigos, comentários, ataques e defesas do PPCUB, LUOS, PDOT,
bons autores da área urbanística e observar o desenvolvimento da cidade capital
do país, compreendi a limitação de arquitetos que projetaram Brasília, isto é,
o Plano Piloto e arredores.
O projeto extraordinário
do arquiteto das formas – Lúcio Costa – ficou preso à prancheta. Se o idealizador
de Brasília tivesse olhado um pouco mais longe, teria percebido o previsível
impacto de um projeto tão moderno e arrojado que mereceu o prêmio da
arquitetura internacional. E nós não estaríamos, hoje, quebrando a cabeça para
arrumar e conservar a casa desenhada.
Há evidências de que
não se fizeram cálculos rigorosos para se determinar as taxas adequadas aos
tipos de moradia e uso da terra conservando, ao mesmo tempo, a vegetação nativa
e o regime de águas, mananciais, captação de águas pluviais e recarga dos
aquíferos. Em outras palavras; onde se pode e onde não se pode edificar sob o
rígido controle da lei urbana para proteção ecológica e ambiental e preservação
de valores sociais.
Li, recentemente, uma
biografia resumida do planejador e arquiteto de projetos urbanos, Ian McHarg
(1920-2001). É presumível que Lúcio Costa o tenha conhecido. Mas o arquiteto
brasileiro não teve os mesmos cuidados, a mesma paciência científica, os mesmos
valores e a mesma amplitude sobre as consequências do legado de um projeto
urbano das dimensões de Brasília que brotou do zero como Woodlands New Town
(Huston, Texas, 1971, projeto de 80.000 ha para 50 mil pessoas).
Compare-se a
generosidade do espaço oferecido aos habitantes de Brasília e aos de Woodlands.
Brasília, por falta de estudos geográficos, geológicos e ecológicos obstruiu os
canais de planejamento urbano que determinasse a densidade da população na
ocupação da terra. Os 582 mil hectares foram descontroladamente ocupados por
mais de 2,6 milhões de habitantes, cabendo a cada brasiliense 2.240 m2,
menos de um quarto de hectare. Woodlands foi projetada para 50 mil habitantes,
correspondendo a cada cidadão 16 mil m2, mais de um hectare e meio.
O ambiente natural, a vegetação, as plantas, as características do bioma, o
regime de águas foram preservados em sua totalidade. A ideia de parque foi
projetada e executada. Guardadas as proporções planejadas e executadas do
projeto urbano de Woodlands, Brasília emergiria do parque natural do cerrado
com população de 400 a 500 mil habitantes, com águas cristalinas já detectadas
pela missão Cruls, e horizontes tão vastos quanto o céu luminoso e infinito.
Penso que faltou a
Lúcio Costa ligar seu monumental projeto a um centro universitário
multidisciplinar de planejamento urbano, de pesquisa ecológica e ambiental e
não apenas confiar açodadamente a execução física a mestres de obra
improvisados, a incorporadoras e ao negócio imobiliário. O que vem acontecendo
ao redor do Plano Piloto segue o mesmo processo sem estudos cuidadosos que
determinem os requisitos da expansão urbana para manter os valores sociais
representados pelo ambiente natural.
Em Brasília, no
Distrito Federal e na área metropolitana há uma guerra declarada entre
população e natureza. Dessa guerra participam com armas letais os organismos
públicos, os projetistas da expansão urbana, os administradores de turno, os
habitantes de quadras, superquadras e condomínios. Decisões são tomadas da
noite para o dia. Fatos consumados são irredutíveis. Não é de estranhar que a
guerra urbana produza o caos do salve-se quem puder.
Ultimamente, na quase
impossibilidade de se preservar o que resta do Plano Piloto, apelou-se para o
registro em cartório internacional do vasto céu de Brasília como patrimônio
imaterial da humanidade. Há, nessa guerra urbana, quem planeja retalhar e
condominiar o céu de Brasília?
Devastado o cerrado,
extintos os mananciais, ameaçadas as árvores, impermeabilizado o chão,
estrangulado o trânsito da convivência social dos habitantes da cidade, resta
salvar o céu de Brasília.
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