O truque burocrático denominado terceirização de serviços públicos à
população pode ser uma ampla avenida de corrupção administrativa e de
exploração econômica do trabalhador.
No início da semana, sem qualquer aviso da Caesb e, menos ainda, do
síndico do bloco T da SQS 406, estacionou uma Kombi com seis trabalhadores de
macacão azul. O zelador, ao interfone, solicita aos moradores que retirem seus
carros do estacionamento, pois uma obra iria começar no local.
Uma retroescavadeira monumental se aproximou com a ferocidade do
ictiossauro, acolitada por uma caçamba desproporcional com inscrições da Caesb
nas portas.
No meio do ruído infernal das contrações epilépticas da retroescavadeira
e do zunido ensurdecedor da furadeira mecânica, a loucura tomou conta dos
moradores. Que barulho é esse? Que é isso? Que estão fazendo? Por que não
avisaram os moradores?
Soube-se, enfim, que a ordem de serviço da Caesb determinava remover e
reinstalar a rede de abastecimento de água ao condomínio que passava dentro da
tubulação de esgotamento de águas pluviais. O prédio em questão foi construído
na década de sessenta. Nunca houve interrupção no fornecimento de água.
Ao longo de três dias, as máquinas perfuraram a crosta de concreto de 20
cm em várias direções à procura do encanamento. Surpresa das surpresas! O
encanamento procurado estava desativado. Essa mesma obra havia sido feita há mais
de 20 anos, quando a Novacap revestiu o estacionamento de concreto.
A Caesb não tem mapa da rede de encanamento de água que abastece os
edifícios? Quem é o proprietário da empresa terceirizada? Quem, na Caesb,
contratou a empresa para executar ficticiamente uma obra já realizada? Quanto
custa à população uma empresa terceirizada? Qual é a proporção do valor do
contrato que se destina ao proprietário e aos trabalhadores? Quem controla a
contabilidade, a qualidade dos serviços e o tempo de execução? Quem é
responsabilizado, na Caesb, por um serviço fictício? Qual será a empresa
terceirizada especializada em tapar buracos abertos por outra?
Por enquanto, as feridas de uma obra inútil esperam os curativos
burocráticos a serem providenciados por ordens de serviço. O suor dos
trabalhadores e a indignação dos moradores ficam na conta social gasta pela
indiferença, incompetência e deboche de servidores públicos e empresas
terceirizadas.
Ainda há quem se espante e pergunte por que a população desesperançada
sai às ruas gritando por socorro.
– – –
Nota: Sou sociólogo naturalista, especializado em ecossociologia e
escritor. Administro uma área liberada da opressão industrial e da tirania do
consumo obsessivo, uma reserva natural de cerrado de 70 hectares (Sítio das
Neves) para refúgio de variada fauna de ar e terra, reprodução espontânea da
flora nativa (3.500 espécies), proteção de nascentes e recarga de aquíferos com
captação de águas pluviais. Estudo a ocupação do espaço e a organização de
algumas espécies da biocomunidade (mangabeiras, caliandras e catolé).
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