É estranho que, numa sociedade pretensamente evoluída como a nossa, e
assim se considera, um percentual criado por métodos estatísticos seja invocado
como uma ameaça à ordem política e econômica.
Em outros comentários, declarei-me favorável ao crescimento econômico
zero, com a ressalva de experimentar novas formas para a conquista da
prosperidade como recompensa do trabalho criativo.
Dos 200 milhões de brasileiros, pode-se afirmar que 150 milhões não
sabem o que é PIB. Se sobe ou desce, não os impede de comer e fazer filhos.
Milhares de espécies de árvores e animais de nossas florestas, se
consultados, aprovariam um PIB zero. Qualquer avanço do PIB é uma ameaça fatal
às plantas, aos animais e, por consequência, à sobrevivência da espécie humana.
O Produto Interno Bruto é, por definição, bruto. E poucos são os
artistas econômicos e políticos capazes de modelá-lo. Um bloco de mármore bruto
esconde futura estátua ou sólido edifício. Escultor nenhum que tenha ideias e
intenções a comunicar, esculpindo o mármore bruto, despreza-o por ser duro e
coberto de camadas a serem eliminadas por seu trabalho árduo.
Diante de um bloco de mármore bruto, pequeno ou grande, não se é
autorizado a desdenhá-lo por seu tamanho. Ninguém é tão insensato que só queira
escalpelar imensos blocos de mármore e dar-lhes uma única forma ideal ao gosto
de espectadores. É possível dar uma forma excepcional a um pequeno bloco de
mármore bruto para ser visto com admiração por visitantes. Ou decorar
brilhantemente uma sala de encontros.
Um grande bloco de mármore de Carrara pode se transformar em um Davi.
Raros, porém, são os Davi. Aparecem escassamente. Exigem anos de trabalho e seu
deslocamento causa enormes transtornos.
Por que certos escultores da economia querem um imenso bloco de mármore
bruto? Um gigantesco produto interno bruto? O que pretendem fazer com ele? Embora,
hoje, esse número pequeno, inferior a 1, seja desprezado e vilipendiado como
desmancha-prazeres da felicidade consumista, o que se observa desmente os
detratores do minúsculo PIB.
Outrora ditos estádios, as arenas da Copa da infortunada derrota da seleção
brasileira se encheram de diferentes torcidas a preços salgados.
Os aeroportos continuam acolhendo milhares de aviões que transportam
milhões de passageiros, carregados de malas, indo e vindo de norte a sul.
As estações rodoviárias despacham milhares de ônibus interurbanos que
percorrem milhares de quilômetros de estradas asfaltadas.
Constroem-se estacionamentos para o descanso de milhões de automóveis.
Levantam-se viadutos sobre abismos e no bojo de cidades, demolidos por
obsolescência prematura, desperdício de material e mortes de transeuntes.
As agências de automóveis estão em permanente festa, promocionando
vendas com esquisitíssimas formas de publicidade cansativa e cara.
O governo e seus agentes do fisco recolhem bilhões de reais dos
contribuintes. Os bancos demonstram parte dos lucros bilionários nos balanços
publicados em cadernos de jornais.
Pelos portos e aeroportos do país exportam-se toneladas de alimentos e
importam-se caríssimos produtos de alta tecnologia.
Os restaurantes de bares exibem diariamente superlotação de clientes. Os
caixas de supermercados enfrentam longas e irritantes filas de fregueses. Os
hospitais regurgitam pacientes dia e noite. As universidades públicas e
privadas recrutam duas vezes ao ano milhares de jovens.
A nova classe média e os extraídos da fossa da pobreza disputam com sua
renda, assegurada por generosos programas sociais, os melhores lugares nas
arquibancadas do consumo. Milhões de desempregados e jovens desinteressam-se de
buscar novo ou o primeiro emprego sem deixar de consumir o necessário e o
supérfluo.
É raro ver um cidadão com mais de cinco anos de idade, na rua, nos
consultórios, nas filas de qualquer coisa, sem operar um celular ou brincar no
tablet ou fazer pesquisa escolar no Google.
Miami, Nova Iorque e Paris arrecadam bilhões de dólares de brasileiros
em compras, diárias de hotel, restaurantes, museus e passagens.
Por que vilipendiar o pequeno PIB se ele satisfaz necessidades, desejos,
prazeres, ambições e sonhos dos que têm pouco e dos que têm muito? Se o PIB
minúsculo garante aos 200 milhões de brasileiros a alegria de ter sombra e água
fresca, por que políticos, economistas e analistas econômicos, agraciados com
alto poder de compra, querem que ele cresça e intumesça ao embalo de suas mãos?
Não será o PIB um substituto de ordem freudiana?
23.7.2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário