A quarta-feira nos traz, com a presença da diarista Val, aspectos da
realidade urbana e traços humanos da pessoa que a vive. Mora na cidade de
Valparaíso, no estado de Goiás, na divisa do Distrito Federal, a 30 km de nosso
apartamento.
Grande parte dos moradores dessas áreas, que hoje compõem a metrópole
brasiliense, depende da oferta de trabalho no Plano Piloto e cidades satélites
mais importantes como Taguatinga.
Diarista de profissão, é no Plano Piloto que ela consegue melhor
remuneração. Mas o aspecto mais desgastante não são as condições rotineiras do
trabalho. O deslocamento de sua casa, do Condomínio Albatroz ao ponto de
trabalho, faz parte do martírio diário.
O programa habitacional Minha Casa Minha Vida, executado pela Caixa
Econômica Federal nessa área, comprometeu por trinta anos seu salário e a pequena
aposentadoria do companheiro. Esse programa de características sociais,
políticas e eleitorais deu oportunidade de moradia simples a milhares de
famílias. Esses condomínios estão situados longe de tudo, plantados num deserto
urbano e funcionam como roda solta.
– Com o que eu ganho, não posso escolher onde morar. É onde dá o meu
dinheiro.
Não se pensou no transporte urbano. E, se a mobilidade foi mencionada em
algum documento oficial, não foi levada à prática. Pertence a outra secretaria
do governo estadual que não se comprometeu a prestar o serviço por falta de
orçamento e de empresas de transporte interessadas.
Como as prestações da Caixa são implacáveis, sob permanente ameaça de
confiscar o imóvel por inadimplência, Val sai todos os dias para garantir o
valor da prestação mensal. O dia começa entre 4h30 e 5h da manhã. Vence meia
hora de caminhada até a parada de ônibus. Toma lotação pirata até o Gama. Entra
num ônibus lotado e viaja em pé até o Plano Piloto, suportando o cotidiano
engarrafamento em pontos críticos do Park Way. Toca o interfone às 9h30 para
cumprir a rotina do serviço doméstico.
Vendo sua disposição quase alegre e, se não lhe tivéssemos perguntado,
não adivinharíamos que nossa diarista é hipertensa, diabética, sofre de dores
na coluna, é susceptível de gripes frequentes e engole vários comprimidos ao
longo da jornada.
Deixa o local de trabalho às 16h para entrar em seu condomínio às 18h30
e cuidar da própria casa hipotecada à Caixa.
Quando lhe abro a porta, sabendo de seus males, de suas análises
críticas à indiferença generalizada e de sua descrença nos administradores da
coisa pública, convido-a a entrar.
– Bom-dia! Tudo bem, Val?
– Tudo jooiia!
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