O passado é a
única testemunha do viver humano. Continua no presente e nada revela do futuro.
Compõe-se de fatos imutáveis. Impassível, recebe interpretações diversas e controversas.
Podemos visitar
o passado situado a milênios, a séculos ou a anos de distância. Aqui e hoje,
lembramos marechais, generais e torturadores da ditadura militar, cujo golpe foi
precedido de outros golpes preparatórios de contramanifestações de cunho moral
e religioso e da atuação de personagens civis: Magalhães Pinto, Auro de Moura
Andrade e Ranieri Mazzili.
São fatos e não
se podem mudar os fatos. O Golpe Militar se deu. Parte da sociedade civil e
religiosa o apoiou. Preferiu a força das armas ao diálogo democrático, ao
aperfeiçoamento das instituições, à difícil tarefa de administrar a diversidade
de propostas, necessidades e aspirações da população. Pretendeu impor a concretização
da convivência social mantendo a desigualdade e controlando o irreprimível
desejo humano de perceber e sentir a felicidade de viver em liberdade.
Ficaram no
passado os vinte e um anos de ditadura militar. Há os que só têm passado e
jamais terão presente. Nós podemos olhar o passado, que é parte de nós, e
trazê-lo ao presente. Deixamos no sarcófago do passado a ditadura militar e a
subserviência da sociedade que a aplaudiu.
Estamos vivos e
temos o privilégio de olhar ao passado, aos que estão definitivamente no
passado e aos que, do passado, iluminam nosso presente. O passado, que neste
momento lembramos, decreta a vergonha e a infâmia de uns e ressuscita a
amargura dos que sobreviveram. Amargura digna e criativa de uns. Indigna e
destrutiva de outros.
Os personagens
da ditadura militar demoliram instituições com atos institucionais. Censuraram
a palavra, mas não puderam calar o pensamento nem antes, nem durante, nem
depois que se homiziaram no passado. O país, entretanto, não pode viver a
síndrome do passado.
O passado está a
nos dizer que o presente pode e deve ser diferente e melhor. Um presente que
seja de todos. Optamos pela democracia, infelizmente confinada à urna
eleitoral. Na prática, a democracia está sendo cabresteada por várias formas de
ditadura, isto é, sem a participação livre e consciente da maioria.
Democracia
dominada pela ditadura econômica em mãos dos mais fortes que determinam preços,
taxas e impostos. Pela ditadura financeira, em mãos de bancos especuladores que
usam o dinheiro a seu bel-prazer. Pela ditadura administrativa, sem
transparência, em mãos dos mais espertos e aproveitadores que privatizam a res publica. Pela ditadura ideológica da
governabilidade em que se mistura o trigo ao joio de cuja farinha se produz um
pão contaminado.
Optamos pela
democracia. Há que passar de democracia representativa para a democracia
participativa. Uma democracia ouvida. Hoje, para ser ouvido, apela-se
desesperadamente para a queima de ônibus num país em que o transporte público
depende de ônibus.
Há que democratizar
a democracia. Há que romper o estatuto dos fatos consumados, das decisões de
cima para baixo que determinam o que é bom e o que é ruim para a convivência
igualitária.
Participar é
exercer o pensamento. É questionar decisões antes que sejam tomadas. É
desarticular esses conúbios teratológicos entre os interesses das oligarquias
privadas e a administração pública. O impulso da participação tem que ser
estimulado e organizado entre grupos de cidadãos, de baixo para cima, antes que
os coletivos institucionais se apropriem de suas vontades, aspirações e
desejos.
Podemos ter medo
da rua pela insanidade do tráfego ou pela imprevisibilidade de sequestros. Não
podemos ter medo da rua para expressar nosso pensamento e nossa vontade de
participar nas decisões que se destinam a construir um presente que honrará
nosso passado, o de nossos filhos e netos.
30.3.2014
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