( Artigo publicado no Correio Braziliense, em 25.11.2016)
Eugênio Giovenardi, ecossociólogo, autor de UMA OBRA
EM VERDE, entre outros
As
mudanças climáticas bateram à nossa porta não sem avisos prévios. Antes do
Clube de Roma, 1972, escritores russos, como Anton Tchekhov (1870-1904), ou franceses,
como Marguerite Yourcenar (1903-1987), advertiram a espécie humana sobre o
desmatamento, a poluição de rios e o esgotamento dos ecossistemas. O
desrespeito à ecologia e a indiferença com o ambiente se agravaram com o
crescimento exponencial da população humana nas seis primeiras décadas de 1900.
A
intensidade do uso dos bens naturais limitados para a sobrevivência e a
reprodução de todas as espécies vivas do planeta, incluído o homo sapiens, depende essencialmente do
número de bocas. Os bens essenciais são água e alimentos. Uma pessoa precisa,
por dia, de 110 litros de água, segundo a Organização Mundial da Saúde e ao
redor de 1 kg de comida. Um bovino, que oferece carne ou leite, ingere 30 kg de
comida por dia e consome 15 mil litros de água para converter esses alimentos
em um kg de carne. E são necessários mil litros de água para se obter da vaca
um litro de leite.
Para
produzir um quilo de arroz, um pivô central precisa tirar do subsolo 2.500
litros de água sem a responsabilidade de os repor. Água para produzir alimentos
é apenas o ponto de partida para todos os demais usos que dela faz a espécie
humana.
Divulga-se
que Brasília foi projetada para uma população ideal de 500 mil habitantes. O
consumo mínimo de água por dia desses habitantes seria de 55 milhões de litros
de água e 500 mil kg de comida. A população atual, 55 anos depois, chega a três
milhões. A quantidade de comida passou de 500 mil para três milhões de kg e o
consumo de água, de 55 para 330 milhões de litros/dia.
Esse
consumo de água se refere apenas à reposição diária por pessoa, sem contar os
diferentes usos de água que vão da limpeza urbana à lavagem de carros, nas
quadras e superquadras de Brasília, regadio de jardins ou para a indústria, o
comércio e a produção de alimentos.
Esse
consumo direto de água visível é multiplicado pelo consumo de água invisível em
forma de energia elétrica. Segundo especialistas em geração de energia
hidrelétrica, para produzir um KW são necessários 6.600 litros de água. O
consumo médio de energia por pessoa/dia é de 3 KW, que requerem 19.800 litros
de água. Tudo somado, só a população atual de Brasília requer, para seu
conforto diário, 198,3 bilhões de litros de água. Não temos toda essa água no
DF. E, a cada ano, ao redor de 60 mil novos habitantes se somam à população do
DF, equivalente ao tamanho do bairro Vicente Pires. Não é de estranhar que as
grandes represas do país estejam com baixos níveis de água. Cabe inculcar na
população esta mensagem permanente: para
poupar água, apague a luz.
Esses
dados relativos ao aumento da população e suas necessidades diversificadas,
ampliadas pelo estimulo ao consumo desmedido de bens úteis e inúteis são os
elementos básicos a determinar uma inteligente gestão econômica da água.
No
Distrito Federal, há, pelo menos, seis órgãos públicos responsáveis pela gestão
da água, mas atuam como rodas soltas segundo suas competências institucionais.
A dissintonia institucional permite que representantes de empresas de
perfuração de poços artesianos, sem temor da fiscalização, revelem sua
autonomia de decisão a potenciais clientes: “Não precisa falar com ninguém.
Isso não é fiscalizado. Todo mundo faz assim” (CB, 5.11.2016)
Por
outro lado, a população não tomou consciência da gravidade das consequências
das mudanças climáticas. E uma delas é a irregularidade das chuvas. A única
fonte perene de abastecimento de água e recarga das nascentes é a chuva. Uma
das medidas administrativas essenciais dos órgãos públicos, com autoridade
gerencial e a participação da população, é planejar e executar sistemas
diferenciados de captação e armazenamento de águas da chuva.
Em
épocas de escassez, discute-se a elevação do preço da água. Ameaça-se com
racionamento. Obriga-se a individualização dos hidrômetros. Recomendam-se
projetos de reuso da água e outros truques. Essas medidas, ainda que
necessárias, são subsidiárias e não estimulam na população comportamentos de
longo prazo nem aumentam o volume das represas e rios.
Urgente,
diante da irregularidade das chuvas, é a captação de águas pluviais, no campo e
nas cidades, e de múltiplas formas. A captação para recarga dos aquíferos, como
solução ecológica e permanente, se faz, como em Tóquio, com galerias de
reserva. Reforça-se com arborização intensa, metro a metro, generosa proteção
de nascentes, olhos d‘água e com a desimpermeabilização das cidades.
Dada
a importância do berço das águas, é de extrema responsabilidade dos
administradores atentar para o limite da capacidade de suporte do DF quanto ao
crescimento explosivo da população e a consequente pressão sobre os aquíferos
superficiais e subterrâneos.
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