Eugênio Giovenardi,
escritor, acadêmico do IHG/DF e membro do ICOMOS. (Publicado no Correio Brasiliense, 26.12.2016)
O sistema econômico mundial de
produção-consumo-produção fundamenta seu lucro e eficácia no aumento da
população consumidora. Não é comum querer comprar três relógios Rolex. Porém, qualquer
pessoa precisa de água e comida todos os dias. O crescimento da população, além
das necessidades essenciais de sobrevivência, vem cercado de estímulos cada dia
mais diversificados para seu conforto com bens úteis e inúteis, de curta
duração. Essa imensa gama de bens de consumo alimenta a usina autossustentável
de fabricação de lixo líquido e sólido. O lixo seja talvez um dos itens que não
entram no planejamento urbano e parece não ter sido preocupação na maioria dos
projetos de engenharia e arquitetura urbana do Distrito Federal.
Com o crescimento da população e consequentemente do
consumo de bens industrializados, a tendência é que o lixo aumente na mesma ou
em maior proporção com a entrada no comércio de produtos com obsolescência
programada. Produtos que duravam 10 a 20 anos, hoje são descartados em poucos
meses.
As ações dirigidas ao lixo têm um sentido curativo e
não preventivo. Uma ação preventiva e inteligente buscaria minimizar a produção
de lixo liquido, orgânico ou sólido. No entanto, as ações curativas, mais
dispendiosas do que as preventivas, se arrastam em demorados projetos
sanitários da administração pública com a construção de galpões de reciclagem e
aterros sanitários. Corre-se atrás do
lixo, e apenas a uma parte dele. Espera-se que a água suja ou usada chegue aos
córregos ou ao Lago Paranoá para tomar medidas de purificação e devolvê-la aos
cidadãos. Grande parte dos projetos de esgotamento de águas pluviais é proposta
depois de inundações, desmoronamentos, destruição de casas e mortes de
cidadãos. Projetos de captação de águas pluviais e reflorestamento de áreas
comuns são, até hoje, exceções.
Ian McHarg (1920-2001), planejador e arquiteto
urbanista de projetos de base ecológica, professor da Universidade da
Pensilvânia, foi um dos principais críticos do consumo dos bens físicos no
mundo. Contratado, em 1971, para projetar a construção de Woodlands New Town, para uma população de 50 mil habitantes, no
estudo prévio, determinou os “requisitos de desempenho para a manutenção dos
valores sociais representados pelo ambiente natural”. Dentre eles: “o cuidado
com nascentes e perigo de enchentes; riscos para a vida e saúde, ocasionados pela
ação humana e relacionados com a qualidade da água, recarga de aquíferos,
perfuração de poços artesianos e solos inadequados para despejo de dejetos”. A
expansão de Brasília parece não só desconhecer, como ignorar esses valores
sociais do urbanismo, essenciais para a convivência dos cidadãos.
Todos os dias, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do
Distrito Federal recolhe das ruas 2,7 mil toneladas de lixo. Desse total,
apenas 1,2 mil recebem tratamento. Segundo o SLU, as 900 toneladas serão
despejadas no Aterro de Samambaia recém-liberado para receber os rejeitos não
reaproveitáveis. Quantos milhões de reais foram investidos nessas 900 toneladas
que, em troca, emitirão chorume que fatalmente contaminará o solo, o ambiente
respirável, os cursos de água e os aquíferos interiores.
Esse acúmulo de lixo não aproveitável, é acrescido de toneladas
de lixo espalhadas pelas quadras do Plano Piloto e cidades satélites ou às
margens das rodovias, como se observa entre Taguatinga e Ceilândia. São fonte permanente
de poluição ambiental e difusão de bactérias que afetam as águas, as árvores e
as pessoas. Esses dados são ainda mais preocupantes se considerarmos que boa
parte desse lixo é jogada no Lixão da Estrutural, o maior lixão a céu aberto em
operação na América Latina. Desse Lixão depende a sobrevivência diária de mil
catadores e suas famílias em condições insalubres e degradantes
Os resíduos sólidos, como sucata de automóveis,
computadores, aparelhos celulares e eletrodomésticos, ainda aguardam o
cumprimento da legislação específica pela indústria, comércio e administração
pública. O advento da TV digital, que entrou em vigor em Brasília no dia 26 de
outubro passado, produziu efeitos imediatos com o aparecimento de carcaças de
televisores à beira de estradas do DF. Na BR-060, entre os KM 1 e 9, nas margens
de Samambaia, há 21 pontos de acúmulo de lixo diversificado, a céu aberto, originado
de residências, escolas, indústrias, lojas comerciais e da construção civil.
É de se desejar que ações administrativas mais
eficientes na classificação e tratamento do lixo expressem a grandeza de uma
cidade que é Patrimônio Cultural da Humanidade.
15.12.2016
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