O Lago Paranoá, formado por vários córregos que descem
a leste da cidade, é uma espécie de estomago de Brasília. Recebe, diariamente,
milhões de litros de água servida e toneladas de lixo e dejetos misturados com
terra que as chuvas torrenciais arrastam.
Há muitas cidades no mundo com belos lagos. Ao redor
deles, a população passeia. Contempla silenciosamente a quietude da água.
Respira a brisa que lhe refresca os pulmões. Integra-se às vidas que pululam
neles. Leva para casa preciosas gotas de paz.
Em Brasília, poucas são as pessoas que apreciam o
vasto espelho do lago. Nem mesmo os que moram de frente para ele dão-se uns
minutos no dia para admirá-lo e ter com ele uma ligação natural. Diante de
atitudes e comportamentos observados e relatados pelos meios de comunicação,
tem-se a impressão de que o Lago é um quarto de despejo dos brasilienses. Um
mar morto resultante da morte dos riachos e córregos que o alimentam de agonias
dolorosas.
As quatro pontes de travessia não prendem ninguém ao
Lago Paranoá. São tubos de escoamento, corredores de expulsão de cidadãos apressados,
trancados em seu automóvel, proibidos de olhar para o Lago sob pena de morte.
Não há, por que ninguém pensou na vida da água, uma plataforma, um belvedere protegido
sobre elas onde o cidadão poderia descansar e pensar olhando a paisagem
aquática.
As pontes não foram construídas para as pessoas. Foram
postas mecanicamente como equipamentos utilitários por exigência exclusiva dos
automóveis. A mobilidade das pessoas foi confinada ao seu meio de transporte. Uma
ponte é uma ponte. O cidadão está excluído dela. Serve apenas como rota de
fuga, mesmo que engenheiros e arquitetos lhe tenham emprestado engenho e arte
perdidos no espaço.
Lembro-me de estar na ponte sobre o
Danúbio. Crianças, jovens, adultos, velhos, passeando ou apoiados ao parapeito,
olhando as águas, conversando, rindo, tomando sorvete sob o para-sol do verão.
Na Roma antiga, os aquedutos romanos
ligavam as nascentes de água à urbe. Alimentavam
as fontes da cidade. Uniam a natureza virginal ao corpo e ao espírito dos
cidadãos. Eram as pontes de pedra que sustentavam os aquedutos, cuja água era
fonte de saúde pública.
Em Brasília, é da água esquecida do Lago Paranoá, da
cloaca malcheirosa cercada de mansões, hotéis e clubes, do quarto de despejo
dos dejetos de milhares de cidadãos que o brasiliense se dessedentará.
Há um lago de águas humildes, formado de riachos
despretensiosos, no coração de Brasília, à espera do carinho, do afeto, da
compreensão e do olhar inteligente do cidadão brasiliense.
Um comentário:
Eugenio:
Há anos defendo a retomada das margens do Paranoá pela população, principalmente pedestres.Inclusive já escrevi um artigo no CB propondo isso. Trata-se de retomar as áreas "cedidas" para clubes, restaurantes, residências numa faixa de,pelo menos, 30m, conforme a legislação vigente e, nesta faixa, criar calçadão e ciclovia, só!
Abs, Farret
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